quinta-feira, 29 de março de 2007

PAPO DE ESQUINA

Leila Jalul

Felicidade era com ele mesmo. Ninguém o barrava no sorriso com estardalhaço. Bem arrumado, exibindo um frescor de quem sempre acabou de sair do banho, ele descia a ladeira da Rui Barbosa para ter com vovô e com o velho Montenegro.


Na esquina da loja Paraybana, em duas cadeiras Gerdau, dessas que fecham, sentavam os dois amigos. Mas não agüentavam o peso do Garibaldi. Sempre tinham que conseguir outra para bem acomodá-lo. Uma pé duro, fabricada na marcenaria do soldado Domingos.

Quem por aqui viveu sabe que os meses de janeiro a março eram humilhantes para ricos e pobres. Além das chuvas, três meses sem repasse do patrão federal. Nem alma entrava na loja, exceto os fiéis pagadores que tinham crédito. Era o período de mofar mercadoria nas prateleiras e sobrar tempo para as conversas.

Atentos aos velhos, a cadela Tirolesa e o seu irmão Barão Pierre. Sobre uma mesinha repousavam uma caixa de charutos Suerdick, da Bahia, cortadores e um isqueiro movido a óleo diesel. E cortavam uma conversa que nunca entendi. Possivelmente falavam sobre os rumos da política local, aumento do preço dos fretes nos navios, algum desgosto com os filhos, não sei.

Seu Montenegro era cego e vovô falava baixinho. Ficava difícil advinhar, fosse pelos ouvidos ou olhos. Raramente riam, pois eram tempos bicudos. A exceção era o Garibaldi. Para ele, creio, saudade, tristeza e desamor não pagavam dívidas. Complicação maior era entender a razão da risada.

Essa era a constante nos meses inférteis. Baforadas e mais baforadas nos charutos faziam Barão Pierre e Tirol partirem em retirada. Vez ou outra a conversa era interrompida ou por uma rês braba destrambelhada, ou por um passante vendendo uma galinha, uma saca de farelo de arroz, ovos caipiras, e outras “especiarias”. Fora o Garibaldi, ninguém mais comprava.

Comprava, modo de dizer. Comprar ele comprava, agora, pagar que é bom... Dona Corina, a beata, que o diga. O Muru secava as pernas cobrando o dinheiro das penosas. Sofreu muito. Sofreu de besta. Dona Corina sempre avisava:

- Muru, menino, venda a galinha, mas só entregue depois de paga, principalmente para aquele doutor - Mas Muru não resistia aos tons simpáticos e sempre entrava em fria.

Chegava abril e as coisas mudavam. Restavam vovô, seu Montenegro, Barão Pierre e Tirol. Na mesinha, os charutos rendiam mais. O doutor, de bolso recheado pelo pagamento dos três meses de vacas magras, ia fazer festa noutra calçada, na companhia de outras companhias.

Até o próximo inverno.

5 comentários:

Anônimo disse...

Altino, esta menina Leila é um baú sem fundo de causos e mais causos... Parabéns amiga,lembro como se fosse hoje a esquina da Floriano com a Rui Barbosa pessoas da sua família sentados a papear no final da tarde... Tempos bons.
Forte abraço

Saramar disse...

Leila, menina, essas suas histórias são um deleite.
Estava lendo aqui e pensando: cadê minhas memórias?
Não sei.
Você está fazendo com que eu tente imitá-la, veja se isso pode ser!!!!
Digo, imitar na lembrança porque na escrita, ai, ai, quem sou eu?

beijos

Anônimo disse...

Tá bem, Saramar!
Tudo bem!
Tentes me imitar, tentes!
Sei que não tens tendência ao suicídio literário, daí , nem me preocupo, pois sei que é pura brincadeira! rsrsrs
Só de mal, uma perguntinha:
já tiveste um cachorro com o nome de Barão Pierre?
Meu carinho
Leila Jalul

Anônimo disse...

Anônimo querido, vc é o meu anônimo preferido. E o mais conhecido!!! rs
Caramba, desde aquele tempo já vadiava lá pela Rui Barbosa?
Parece cobra corre-campo! Saía da Cadeia Velha e numa pernada já estava na Floriano Peixoto? Meu Deus!
Um abraço
Leila Jalul

Anônimo disse...

Estou voltando:
Estou lendo tudo que voce escreveu nos meses de fev., março, abril e maio.
Nesta roda de amigos vc poderia ter incluido o Raimundo turco, o pai do Walder, o Antonio Pereira e tantos outros que eu vi em várias oportunidades. É muito bom ler o que vc escreve. Avô do RÔ.