sexta-feira, 23 de março de 2007

DOCES LEMBRANÇAS

Leila Jalul

De tanto ver, a gente acaba não enxergando. Tem que espanar a névoa da memória e procurar por velhos amigos que a gente viu na infância e na juventude.

Fui buscar no baú o velho Chico Padeiro, pai do Paulo Tóia, da Ieda, do Chiquito, do Carlito, da Tereza, do Benjamim e outros mais. Alguns hão de dizer que agora estão lembrando. Não fosse minha lembrança, jamais se lembrariam de não esquecer.

Chico Padeiro, marido da Dona Nenê.

Um tabuleiro forrado de papel pardo, um cavalete e, o que é melhor, os doces que me faziam arregalar os olhos e excitavam minhas lombrigas. As tripas faziam uma verdadeira revolução, até que aquele tabuleiro, de forma vagarosa, quase num ritual, fosse montado e descoberto.

Ah! Enfim nós...

- Seu Chico, quero uma queijadinha, uma bolinha de mel, uma mariola. Espere, deixa eu ver se tenho como pagar.

Remexia o fundo da sacola de brim escuro, com babados de qualquer outro pano de cor clara - um troço velho que minha mãe descaradamente chamava de lancheira. Dali, misturado com pedaços de giz, tocos de lápis, borrachas mordiscadas, um pedaço de pão ensebado, puxava os merréis. Às vezes dava. Outras não.

Difícil era escolher o que não dava para comprar. Rebuçados, suspiros, babas-de-moça. Ai! Quem não já viu nos caixas de supermercados o constrangimento das pessoas catarem o menos importante para devolver? Dá uma raiva! Uma impotência. Maldito dinheiro.

- Seu Chico, quero só a mariola e a queijadinha. Não, espere, quero a bolinha de rebuçado e a mariola de banana. Tá bom, me dê só a mariola mesmo.

No final dava tudo certo. Porém, na vida do Seu Chico Padeiro, nem tudo foi adocicado. Tinha na casa dele, além de muitas formigas e filhos, um monte de sobrinhos possuídos pelo pé-de-boi. De madrugada, quando o velho ia dormir, os capetas roubavam os doces e, melando os dedos nas caldas, simulavam uma trilha no chão e nas paredes. Assim, os culpados eram os ratos.

Suas paradas eram, invariavelmente, no Colégio Acreano, no estádio José de Melo, em dias de jogos e, aos domingos, na hora da retreta, na esquina da praça, bem ali, defronte a estátua do Chico Mendes e seu menino Sandino, na Praça dos Povos da Floresta.

Sabe, se fosse nos dias de hoje, com certeza, o Sandininho largaria a mão do Chico, compraria umas queijadinhas e uns rebuçados e voltaria para seu lugar.

Alguém lembrou? Lembrou do quê? Do Seu Chico? Dos doces? Doces lembranças que ninguém pode esquecer de lembrar.

Nem os diabéticos.

14 comentários:

Anônimo disse...

Altino do Céu, essa menina Leila tem mais lembranças e causos pra contar do que nós todos juntos...
memória de ouro e jeito gostoso de nos contar os causos, tanto que senti o cheiro e o gostinho dos rebuçados do querido Chico Padeiro.
Obrigado por mais essa, mrnina Leila
abraços

Anônimo disse...

Quanta saúdades, saudade do forro no seringal o roco da safona, as fogueira de festa juninas que cairam no esquecimento, os movimentos de trabalhadores que hoje são egolidos pela polica ou melhor pela (Politicagem).
Sauadde do fuska do Nilsom Mourão eita era o unico que existia.

Anônimo disse...

Muito boa faz a gente viajar no tempo e lembra de tanta coisa, e lembranças boas.
Lembrei de seu Lupecio Maia que morou por mais de trinta anos na beira da estrada e após ter cindo asfaltada a estrada do Pacifico ele disse “Parece um tapete tenho que beija” ser ajoelhou e as lagrimas lhe vieram ao rosto, e suas historias comprida de nordestino e coisa boa.
Leila que não pretende ser a outra (brincadeira)Leila Jalul.

Saramar disse...

Menina Leilah, eu nem sei o que é mariola, mas sei o que é ter vontade de comprar os doces dos tabuleiros pendurados no pescoço dos meninos da minha infância.
Aqui, na minha terra, eram os pirulitos (mera calda durinha em torno de um palito) e o quebra-queixo, essa caríssimo para a infantil pobreza, feito de coco e melado.

Nem imagina como me fez desesquecer de tanta coisa.
Você está certa, se não fosse você, como lembrar de não esquecer?
Acho que você é fada, ou algum anjo largado por aqui.

beijos

Anônimo disse...

Altino, acho que essa mulher mente bem demais. Uma pena ela não se dedicar a contar verdades.

Anônimo disse...

Salve Saramar!
Aqui tinha um velhinho que vendia pirulitos e ainda cantava.
"O amor é como um pirulito,
começa no açúcar e termina no palito".
Piiiiiiiiiiiirulito! Olha o piirulito!
Só para te ilustrar (e é preciso?), mariola é um doce de banana de corte, no bom estilo da cocada.
Essa de fada ou anjo, sei não.
Ontem, um menino de 33 anos me fez uma reclamação: ou a senhora escreve coisas para rir, ou para chorar, Do jeito que tá, não dá!
Veja, a gente carrega os fardos da infância, até a hora que Jesus chega e diz: vambora, tá na hora!
Continuo pendurada nas janelas.
Um abraço doce para vc. Bom final de semana.
Beijão
Leila Jalul

Anônimo disse...

Sr ou sra. anônimo: desculpe por eu não saber contar suas verdades. Só sei de mim.
Leila Jalul

Anônimo disse...

Sr, ou senhora anônimo.
Desculpa se eu não sei contar suas verdades. Só sei de mim.
Leila Jalul

Anônimo disse...

A Leila é uma excelente cronista e memorialista, generosa, que publica por amizade ao Altino e a todos nós, claro. A sua religião e a sua política sempre foram a da amizade. É um exemplo de mulher que teve um saquinho de brim como lancheira e cultivou na infãncia amizade com os botadores de água, carvoeiros,filhos de lavadeiras, enfim, com a arraia miúda, os "proletari" desdenhados pelos patrícios romanos. E hoje mora confortavelmente, padrão classe média alta, após ralar na Asembléia e depois na Jurídica da Universidade. Fez faculdade trabalhando, arrimo de família e separada do marido.. E nunca pecisou se valer de amizade nem compadrio para conseguir cargos,fingir amor e paixão por dirigente público para ser esposa ávida por carro do ano e botiques, nem de enganar moradores de beira de esgoto a céu aberto para morar confortavelmente em Brasília. A sua verdade é a sua própria vida. E mais: era e é uma descendente sirio-libanesa de notável beleza.

Anônimo disse...

Alá seja louvado!
O profeta Maomé me ouça, me entenda e me guie!
A Fátima Almeida me fez chorar. Agora vou ter que ser mais comedida, discreta, pisar nos ovos que não tenho. Vou colocar um elástico mais elástico no nosso tempo. Ao invés de ficar dois meses de bem e dois anos de mal com ela, vou aumentar para seis meses de bem e diminuir para seis meses de mal.
Fátima sabe, como poucos, desnudar a alma humana.
Na camaradagem é mais fácil sofrer críticas.Entre ser apedrejada e amada, vou preferir a última hipótese.
A fé que você deposita em mim, deposito em dobro para você, pela lucidez às vezes travestida de enjôo.
Graçias.
Alá nos proteja contra todos os males atuais e, se não for pedir demais, contra as terríveis catástrofes do futuro.
Carinho
Leila Jalul

Saramar disse...

Leila, eu não disse?
Você é anjo mesmo. E dos bons!
Eu adoro você.

beijos

Anônimo disse...

A verdade... essa cobrança do(a) anônimo meu "colega" me lembrou um historinha do tempo que Jesus era criança:"josé e Maria viajavam para fugir dos algozes que procuravam pelo Menino Deus para matá-lo, quando os soldados se aproximavam do burrico que transportava o menino, José ficou aflito, sem saber o que dizer. Então, ouviu uma vozinha que disse:"diga a verdade! Diga a verdade! josé entendeu que era Jesus que falava e quando os soldados lhe perguntaram o que carregava no burrico, ele disse:
"carrego o menino Jesus". Os guardas lhes deram chicotadas porque achavam que ele estava mentindo, porém, jesus passou sem ser incomodado.Um abraço prá Leilah.

Anônimo disse...

Anônimo do Menino Jesus:

Todos, repito, todos os "causos" que expressei neste espaço que Altino gen-
tilmente me cede, são verdadeiros.
Na grande maioria, quase totalidade, mantenho os nomes próprios das pessoas. Evito dizer os verdadeiros apenas quando o bom senso me pede.
Agora, uma coisa é certa: adoro enfeitar o maracá. A isso se chama licença poética.
Quando eu começar a mentir, o que me é permitido, pode deixar que dou um aviso.
Bem lembrado o fato bíblico. Vê-se que o amigo (a) é uma pessoa de fé.
Agradeço,
Um grande abraço
Leila Jalul

Anônimo disse...

Leila, é querer demais que eles saibam o que sabemos e vivemos, Chico Padeiro era destaque , especialmente pela cocada de castanha(lembra, eram apenas quebradas)O Paulo Tóia sabe fazer aqueles quitutes especialmente o coxão de moça. Diga para o anônimo que se ele quizer faremos um Sarau, onde contaremos todas as histórias de nossa infância sem esquecer o aluá da Dona Eli, nos primórdios do que depois se tornou o Hotel Rio Branco