quarta-feira, 21 de março de 2007

CAFÉ BROTINHO

Leila Jalul

Contam que o nome do Café Brotinho deveu-se a uma marchinha de carnaval que dizia: "Ai, ai, brotinho, não cresça meu brotinho, nem murche como a flor. Ai, ai, brotinho, eu sou um galho velho, mas quero o teu amor. Meu brotinho, por favor não cresça, por favor não cresça, já é grande o cipoal. Tá sobrando galharia seca, tá pegando fogo no meu carnaval".

Se é mentira, é de quem me contou.

O Café, em mil novecentos e coisa, era o point. Lugar onde se fechavam altos negócios, onde se liam os poucos periódicos e revistas em árabe, onde se jogava gamão, xícaras de café moka eram servidas aos velhos, sorvetes sortidos para as crianças, e para as damas. Para as damas, em taças de vidro grosso; as crianças tinham que se contentar em chupá-los no cascalho.

Depois de subir as escadarias do porto, ao sol das duas da tarde de domingo, nada melhor do que se refestelar nos “helados” de cajá, buriti, groselha, açaí, graviola, bacaba,tamarindo, leite, nescau e etc e tal.

As famílias imperiais iam se achegando, uma a uma, ocupando as mesas de toalhas listradas. No alto, uma tabuleta com a trovinha de alerta educativa:

Povo educado
não cospe no chão
não compra fiado
nem diz palavrão!

A comitiva lá de casa era composta de vovô, vovó e as princesinhas. Eu atacava de plebe rude.

Voraz, insaciável, vestido vermelho de bolinhas brancas, herdado da “primeira” primogênita, passado pelo corpo da segunda, já todo cheio de rabo, com a metade das bolinhas arrancadas ou saídas pelo interminável número de lavagens. O defunto era sempre maior. Nada demais.

O que iria contar eram os sabores dos sorvetes, ou, quando pior, os tocos dos cascalhos já lambidos que eu pedia quase implorando, antes que educadamente fossem jogados no lixo. O cascalho era melhor que o sorvete. Tudo era bom, mesmo quando era ruim.O domingo era perfeito, mesmo quando não tão perfeito.

No meu tempo, o Lhé chamava Brachula, a Dona Sílvia, mãe dele, chamava Elza, aí vinham as meninas da Dona Elza e as da Dona Antissá e do seu Bacchi Daoui, que se chamavam Sumaia, Surreme, Muséia e Belkiss. Tento lembrar de outras crianças, mas não dá.

Eram aquelas mesas exclusivas de gente grande e outras para a gente pequena vigiada. Uma voz mais alta e o olho do dono fulminava os mais ousados. De minha parte, só me lembro caída no chão chamuscada e, depois, ainda tinha que enfrentar, além dos beliscões, a promessa nefasta: no outro domingo você não vem.

Era foda. Um domingo sim, dois não.

Agora, a bem da verdade, os sorvetes e os cascalhos eram muito bons. Dava para agüentar o castigo. Tanto que ainda lembro com alegria, água na boca e sem qualquer marca de rancor. São lembranças e sabores indeléveis, inclusive dos cascalhos lambidos e já não tão crocantes.

Uma pena que, como tudo na vida, o brotinho não só cresceu. Também murchou como a flor, sobrou cipoal e a galharia seca queimou.

14 comentários:

Anônimo disse...

Altino, como conta causos essa menina Leila... quantos anos essa danadinha já tem? como sobreviveu a tantas provas, altos e baixos que a vida lhe impôs e ainda tem um excelente humor pra nos contar com tanta riqueza de detelhes... Gosto muito de ler teus artigos, Leila.
Abraço

Anônimo disse...

Altino, como conta causos essa menina Leila... quantos anos essa danadinha já tem? como sobreviveu a tantas provas, altos e baixos que a vida lhe impôs e ainda tem um excelente humor pra nos contar com tanta riqueza de detelhes... Gosto muito de ler teus artigos, Leila.
Abraço

Anônimo disse...

Um texto delicioso de ler... adorei mesmo, me imaginei naquela época. Leila você precisa escrever um livro.

Anônimo disse...

Altino, seu blog fica cada vez melhor. Tanto pra informar quanto pra divertir.
Uma alternativa à imprensa local que parece que faz jornal por corporativismo. Lucro? Duvido muito...

Anônimo disse...

Senhor Anônimo,

Não faz mal o senhor querer saber da minha idade. Nasci no ano bisexto de 1948, numa quarta -feira de cinzas, exatamente às quatro da madrugada. Os bêbados estavam saindo do SBORBA - SOCIEDADE BENEFICENTE OPERÁRIA DE RIO BRANCO ACRE, e eu abrindo os olhos para o mundo!
Neste mesmo ano morria Monteiro Lobato, o homem do Sítio do Pica-Pau Amarelo e do Petróleo é Nosso!
Fazendo uma conta de chegar, acabei de fazer 59, com cara e corpinho de 38.
O bom humor e a contação de causos, devo exatamente aos altos e baixos da vida, na crença em Deus e no bem querer que sinto pelas pessoas, inclusive pelas que me fizeram muito mal.
Creio ainda que aprendi a não levar quase nada a sério e evitar aumentar o tamanho dos problemas. Isso a gente aprende com a idade. De sobra, ainda tenho que agradecer a Deus por ter me dado muito mais do que mereço.
Adorei o Senhor ter me chamado de danadinha! Me senti com o mesmo espírito da época em que tomava os sorvetes e comia os cascalhos no Café Brotinho.
Bom jeito de viver, não?
Um abraço para Vossa Senhoria e família.
Leila Jalul

Anônimo disse...

Luc, se avexe não que esse livro um dia há de sair.
Você já é do tempo da Sorveteria do Joaquim Pinto e do Fabiano, e também sabe o que é bom.
Obrigada pela força.
Ainda espero para a nossa velha discussão.
Um abraço
Leila Jalul

Anônimo disse...

Faz favor de dizer também dia e mes e a caixa postal pra gente mandar nosso carinho procê.

Anônimo disse...

Será um prazer, Senhor Anônimo.
Atendo, quando atendo, no telefone 32243645, na parte da manhã, ou após as 18:00 horas. De tarde eu durmo como um anjo.
Meus e-mails são:
borboleta25@hotmail.com e
jbretz@brturbo.com.br

Disponha sempre.
Leila Jalul

Anônimo disse...

Altino, pra sermos justos e já que o assunto da amiga Leila é o sorvete do Café Brotinho e mais adiante é citado os sorvetes do Joaquim Pinto e do Fabiano, não podemos esquecer dos sorvetes do Ocírido, que era onde hoje funciona o Badate... Diga aí amigo Edson Carneiro, tomou ou não tomou sorvete do saudoso Ocírido?

Anônimo disse...

Leila, é sempre com alegria, saudade, e muitas risadas que leio seus textos. Parabéns !!

Anônimo disse...

O bar Brotinho tinha duas identidades, uma sagrada e outra profana. A mulher do dono era muito católica e por isso deu o nome do lugar também de Sagrado Coração de Jesus, onde tirava-se terços cedo da noite e quando era noite alta servia aos prazeres.

Anônimo disse...

Leila, você não é uma mulher. É uma máquina do tempo. Vôte!

Anônimo disse...

Anônimo, no meu tempo não tinha esse negócio de rezar terço. Era direto no profano, com muito respeito, claro!
O Café passou por outros donos, um deles o Caboclo, irmão do Rames Zeque. Aí eu já não sei. Mudei de point! rs
Leila Jalul

Anônimo disse...

Tomei sorvete na sorveteria do Senhor Ocirodo,Caro Anônimo, e também era cliente da Normalista,Livraria ali ao lado (o Senhor Anastácio era o Dono) pois sempre fui um leitor compulsivo(daqueles que lê até bula de remédio). No entanto no sorvete o atendimento era péssimo, igual ao do João Bodin. (não puxa por mim, não porque já estou na idade do sexo - sexagenário -)mas ainda tenho boa memória