terça-feira, 23 de janeiro de 2007

UM TIRO NO PÉ

Marcos Lopes

Uma das maiores aberrações religiosas veio à luz recentemente, quando a Assembléia Legislativa do Acre aprovou o Projeto de Lei n. 51/2003, de autoria do deputado Helder Paiva (PSDB), instituindo feriado estadual, a data de 23 de janeiro como o Dia do Evangélico. O que está por trás disso? É preciso raciocinar para entender que estamos vivendo um momento perigoso. Exponho a seguir alguns pontos relevantes de reflexão.

Em primeiro lugar, o referido Projeto de Lei cavado, obviamente, pela Associação dos Ministros Evangélicos do Acre (Ameacre), fere um princípio religioso perseguido duramente pelos evangélicos históricos, que é o da independência entre igreja e estado. Os evangélicos do Acre, criando, um novo feriado, estão de alguma maneira interferindo na vida do estado, fazendo uma imitação barata do Catolicismo Romano, que de maneira escancarada interfere na vida do estado brasileiro com seus inúmeros feriados, dando a nação brasileira um prejuízo de milhões. Feriado traz prejuízos mesmo. Os feriados católicos são completamente inconstitucionais (o mais inconstitucional deles é o de 12 de outubro, dia da “padroeira” do Brasil, uma herançazinha do período da ditadura militar), visto que o estado é laico e não tem religião. Esse feriado sem graça criado pelos evangélicos também o é. Que mau exemplo! A história nos ensina que quando a Igreja se une ao estado ela se torna um monstro nojento. Se não vejamos: foi assim quando a Igreja católica se uniu ao Império Romano; Foi assim quando a Igreja Luterana se uniu ao estado na Alemanha; foi assim quando a Igreja Presbiteriana se uniu ao estado na Escócia (dizem que também fez alianças com a maçonaria); foi assim quando os anglicanos unidos ao estado inglês mataram, perseguiram, prenderam e desterraram; foi assim quando a Igreja Ortodoxa tornou-se oficial na Grécia. Algumas dessas aberrações (uniões entre igrejas e estados) começaram com pequenas intenções e depois o monstro era gerado. A igreja aliada ao estado é uma das piores tragédias que um povo pode presenciar.

Em segundo lugar os evangélicos envolvidos na obtenção da aprovação do tal projeto, sem perceber, criaram uma grande complicação para a nação, para o estado do Acre e para si mesmos. Talvez isso não seja percebido facilmente em um futuro próximo. Porém, movimentos e tendências religiosas dentro da história são melhor avaliados uma geração depois do seu início. Que males e benefícios terão causado é um tema importante nessas avaliações. Mas no caso do feriado do Dia do Evangélico, alguns desses males já podem ser facilmente previstos. Por exemplo, se o evangélico pode ter o seu feriado, por que razão o Espírita também não pode? E o budista? E o umbandista? Ou seja, está aberta a temporada de criação de feriados religiosos. Como os evangélicos idealizadores do bendito feriado se sentirão quando as outras religiões quiserem os seus feriados também? Se trinta religiões entrarem com pedidos de feriados e eles forem aprovados, o estado fica com um mês menos. E os futuros governadores vão sancionar novas leis para novos feriados? E quando os evangélicos de outros estados quiserem imitar o Acre? Ele está delirando, alguns podem dizer. Porém, para que cada novo projeto de feriado seja feito, basta que a religião interessada tenha um deputado que a represente.

A situação toda precisa ser interpretada também dentro de um contexto político. Ultimamente, os políticos têm tido livre acesso a muitos púlpitos evangélicos e muitas igrejas têm escancaradamente apoiado candidatos em suas campanhas políticas. É bem verdade que isso tem ocorrido muito mais dentro do meio pentecostal, mais alguns pastores tradicionais também entraram nessa. Que vergonha! Alguém precisa dizer a todos esses que igreja não é palanque, muito menos curral eleitoral. Eu soube de um político famoso que subiu no púlpito de uma igreja pentecostal estando embriagado. O oportunista estava tão “chapado” que na hora de fazer os agradecimentos trocou o nome da igreja. Estou dizendo essas coisas porque essa idéia maluca foi levada a cabo por alguns políticos (político não dá ponto sem nó, e esse projetinho sem graça será cobrado por muitos anos) e pela Ameacre, que se viram no direito de representar a classe evangélica sem consultar a mesma com respeito a estarem ou não a favor de ter o seu nome em um feriado completamente inconstitucional. A propósito, a Ameacre não congrega todas as tendências evangélicas locais. Talvez não congregue nem a metade. É bem provável que a maioria não concordasse se soubesse do que realmente se trata. Mais proveitoso do que criar mais um feriado inconstitucional seria ter coragem para derrubar aqueles que já existem.Refiro-me aos feriados religiosos.

Quanto ao respaldo bíblico, nem de longe tal projeto encontra apoio das Sagradas Escrituras. Os cristãos, pelas suas próprias crenças, não estão aqui para serem homenageados em um feriado que leva o seu nome. O dia deles ainda não chegou. Quem lê o Novo Testamento, e é honesto nas suas convicções cristãs, não tem nem dificuldade em ver que o próprio Jesus não apoiaria esse projeto inoportuno. O pregador galileu das praias e o seu primo (João Batista) dos desertos compareceram aos palácios, mas para serem julgados pelas autoridades por terem denunciado alguns dos seus pecados. Não para estarem buscando favores delas.

Assim, conclamo em primeiro lugar aos meus irmãos que criaram esse feriado. Que se arrependam pela tentativa de serem homenageados pelos governantes terrenos, mas também àqueles que congregam nas mais variadas igrejas a não se iludirem e saírem por aí dizendo que esse projeto é uma bênção. Isso não é uma bêncão, isso é um tiro no pé! Por fim, conclamo a advogados políticos, promotores, pastores sensatos e a cidadãos conscientes que pelos meios legais encabecem um movimento para derrubar esse feriado monstruoso. Assim estarão fazendo um grande favor à nação, ao estado do Acre, aos evangélicos e à democracia. Vou orar para não vomitar. Perdoem-me a franqueza. Graças a Deus terei o prazer de dizer aos meus amigos, aos meus filhos e esposa, bem como a igreja que pastoreio, que fiz o meu dever. Que muitos outros possam fazer o seu!


Marcos Lopes é pastor da Igreja Batista Memorial do Residencial Mariana em Rio Branco. O artigo foi publicado hoje na seção de opinião do jornal Página 20. Impressiona que Jorge Viana, que contava com vários evangélicos batistas na assessoria, tenha sancionado o projeto dos pentecostais.

5 comentários:

Anônimo disse...

É raro ler-se um texto com tanta coerência cívico-religiosa. Parabéns, Pastor Marcos Lopes. Saudações respeitosas. Parabenizo também seu rebanho que está muito bem representado.

Anônimo disse...

É muito interessante analisarmos, também, nossos representantes politicos que mais uma vez fazem mau uso do poder que lhes é atribuido.
Se passasse por minha cabeça aceitar uma coisa dessas, penso que seria melhor termos um "dia religioso" que emanasse de nossa terra... olha ai o santo daime, muito melhor!!!
Ha... esqueci... lá não é curral eleitoral.

Anônimo disse...

Só para informação! Não é só no Acre que tem o dia do Evangélico, Brasília também tem! Dia 30 de novembro. O texto do pastor é de uma coerência e seriedade impressionante. Gostei muito!

Anônimo disse...

Sou espírita, e na labuta da doutrina a gente aprende que, na condição em que nos encontramos, o trabalho sim é uma bênção. O trabalho remunerado e honesto para a sobrevivência e o trabalho árduo para o melhoramento do próprio espírito. No Amapá foi criado o Dia do Evangélico e, pasmem, o Dia da Bíblia. Feriado político para agradar a porção eleitora dos fiéis é uma confusão de papéis que traz prejuízos para a labuta pela sobrevivência e, sobretudo, para o lapidar da alma. Pastor, parabéns por sua indignação. O dia que eu for a Rio Branco, gostaria de ouvir suas palavras, na sua Igreja. Por um mundo verdadeiramente ecumênico.

Anônimo disse...

E isso aí Pastor, no entanto temos que inverter essa situação no campo de batalha legislativo, mesmo porque o tal dia da padroeira não uma herançazinha não, é uma coisa terrivel como o Senhor bem sabe, acho que deveriam acabar todos os feriados com base religiosa e/ou cívica, a tradição como sabemos nada acrescenta, e no caso de ausência ao trabalho como viwemos em uma sociedade capitalista deveria ser interesse do próprio estado acabar com essa aberração. Soube que Japão exisem apenas cinco feriados, e ollha que em matéria de tradição perdemos para eles de goleada