quinta-feira, 30 de novembro de 2006

PAOLINO BALDASSARI

O frei Paolino Baldassari, de 81 anos, há mais de um mês faz desobriga no alto Rio Iaco e por isso sequer tomou conhecimento de que foi escolhido em 1º lugar como liderança individual do Prêmio Chico Mendes, concedido pelo Ministério do Meio Ambiente.

Ele é italiano de nascimento, brasileiro e amazônida de coração. Radicado no Brasil desde 1951, morou no município de Boca do Acre (AM) e vive atualmente no município de Sena Madureira, onde realiza trabalho social, ambiental e de saúde, dando continuidade ao ideal de Chico Mendes.

Paolino Baldassari é respeitado e querido na região e já foi alvo de várias homenagens. Sua indicação para concorrer ao Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente partiu do frei Heitor Turrini, da Ordem dos Servos de Maria, e seu principal companheiro de jornada.

Ambos dirigem a Fundação Amigos da Amazônia, que está empenhada ultimamente numa campanha internacional denominada "Salve a Selva". Eles sugerem que haja um moratória de dez anos em defesa da floresta amazônica.

Há dois anos, quando foi condecorado pelo governador Jorge Viana com a Ordem da Estrela do Acre, no grau de Grande Oficial, entrevistei Paolino Baldassari em Sena Madureira. Ele disse que já estaria no céu caso dependesse das tantas medalhas que já recebeu. O defensor da floresta não acredita em manejo florestal.

- Eu não concordo com o manejo porque é uma manipulação. Eles dizem que é assim, mas depois manipulam. Não acredito no manejo mesmo não. Eles não respeitam nada, não. Eles derrubam tudo. Depois, fica a capoeira, que será vendida aos fazendeiros, que tocam fogo para fazer pasto para os bois. Eu te digo: é uma tristeza! Eu falo, grito, denuncio.

Vale a pena ler ou reler a entrevista "É uma tristeza" de Paolino Baldassari. Também vale a pena ler o artigo "As ávores têm alma", do pesquisador Foster Brown, no qual consta vídeo, fotos e os apelos dos dois freis em defesa da floresta.

Em tempo: em 2004 cheguei a sugerir ao jornalista Lorenzo Aldé, editor do site O Eco, uma reportagem sobre o trabalho de Paolino Baldassari. Até cheguei a sugerir, ainda, que publicasse a entrevistinha com o frei ou refazê-la com mais profundidade. As sugestões foram recusadas.

- Trata-se de um personagem muito desconhecido - alegou o editor.

Lorenzo Aldé tem como diretor em O Eco o jornalista Marcos Sá Correa, que era editor do Jornal do Brasil. Correa deixou de publicar a última entrevista de Chico Mendes, feita pelo jornalista acreano Edilson Martins, também com a alegação de que ninguém conhecia aquele seringueiro.

O Rio é maravilhoso. Os rios da minha aldeia são todos mais belos que os rios de Fernando Pessoa e dos ambientalistas de Ipanema.

SALÃO TAJÁ

Leila Jalul

Sena Madureira, cidade que me seduz, de dia faltava água, de noite faltava luz.

No dia 25 de fevereiro de 1953, completei meus primeiros cinco anos de existência no Instituto Santa Juliana. Colégio muito bom, para os padrões da época.

Completei cinco anos sob a chibata da madre Maria Hildebranda da Prá. Hildebranda? Acho que conheço esse nome. Minha mãe não tinha a menor noção sobre o que significava amputar sonhos. E não a culpo.

Esta crônica está “down”, e, eu, mais ainda. Minha mãe era escrava da loja do meu avô e me mandou para a casa de uma sua irmã, mulher do prefeito, mais megera que a Hildé da Prá.

Achava que, naquele armazém de meninas pobres, eu ia me educar, me tornar fina, aprendendo ponto de cruz, cerzindo as meias do padre e, pior de tudo, aprendendo a cozinhar as cabeças dos porcos sacrificados na base da facada no fundo do quintal.

Mas o mundo é bom, principalmente quando a gente aprende a dar cambalhotas, pular por cima da ligeireza, derrubando mesas e cadeiras de balanço . E foi assim que foi. Pior seria na Febem.

Lá no Santa Juliana, conheci seu Bahia, neto de escravos, quilombola das terras de Zé Sarney. Era o homem da horta, das alfaces repolhudas, dos coentros e salsas agigantados pelo estrume abençoado das vacas que forneciam leite para o padre e para as madres. Italiani la mia vita tem muito a ver com a de vocês.

Também conheci a Dalva, a Juracy, a Nancy piolhenta. Funcionavam como espécies de tutoras, de mães pretas, de anjos protetores para as “mais pequenas”. Dalva arranhava um violão Paganini, quebrado, sem duas cordas, nas noites de chuva.

Final de semana, lá vou eu para a residência oficial. Para não ficarem mal na fita, meus tios me levavam para a corte. Festa no Salão do Tajá, opositor ferrenho do Salão da Taioba. Era só festa, muita festa.

Ali estavam os rescaldos das companhias francesas, com bailarinas de can-can, malabaristas, palhaços e faquires. Ali desfilavam e dançavam Seu Teodomiro Souto e minha dindinha Irany, Dona Eliete e Doutor Maurício, Dona Dalila, Seu Archelau (isso é nome de gente?) e Dona Badra, meus tios, além de um montão de personalidades influentes na capitania. Todos amamentados com o bom vinho Quinta das Flores, substituído em sua falta e impedimento pelo velho e bom Sangue de Boi.

Foi no Salão do Tajá que, aos cinco anos, vi, no chão do banheiro, um amontoado de grandes coágulos de sangue, saídos diretamente da mulher do malabarista. Nada a ver aquele aborto. Na hora do espetáculo, lá estava ela, linda e pálida, fazendo sua apresentação de dançarina de can-can, levantando as pernas, com a saia preto-rosada. E tudo bem. Obrigada.

Na segunda, eu, Dalva e Juracy, trepadas na janela, cantávamos: "Noites de chuva, tão escuras e frias, sem estrelas e sem lua.../ E a minha vida, mais parece a de alguém, cheia de mágoas, a andar pelas ruas...."

A cronista Leila Jalul tem enviado ao blog relatos de suas aventuras no Acre, na fase dos 10 aos 15 anos de idade.

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

A VERGONHA DA CORTE

O desembargador Samoel Evangelista, presidente do Tribunal de Justiça do Acre, abraçou mesmo a causa em defesa de cinco membros da corte cujos salários variam de R$ 25 mil a R$ 27 mil. O teto dos desembargadores é de 90,25% do subsídio de um ministro do STF - ou de R$ 22.111.

Evangelista saiu da reunião com a ministra Ellen Gracie, presidente do STF, com a boa-nova de que não haverá corte nos salários acima do teto legal determinado pela Constituição.

Soa como sofisma a alegação dos magistrados acreanos de que os salários não estão acima do teto porque o que excede é destinado à contribuição previdenciária de quem completou o tempo de serviço e já deveria estar aposentado.

Para exibir altivez ética e não parecer que advoga em causa própria, o desembargador Evangelista deveria se conduzir de modo transparente.

Bastaria revelar os nomes e os respectivos valores dos salários de cinco cidadãos supostamente honestos que não podem ser confundidos como marajás num Estado onde o escambo ainda pontua algumas relações sociais.

Os magistrados do Acre não deveriam se envergonhar de revelar à sociedade os salários pagos pelo contribuinte. O que eles tanto escondem?

A Assembléia Legislativa do Acre foi condenada hoje pelos desembargadores a pagar R$ 9 milhões que foram descontados desde 2002 dos salários dos marajás do Legislativo.

BINHO E A COMUNICAÇÃO

Os dirigentes e parlamentares eleitos dos partidos que integram a Frente Popular do Acre trabalham duro na discussão dos quatro eixos estratégicos (desenvolvimento econômico sustentável, desenvolvimento social, infra-estrutura e gestão participativa) do governo Binho Marques, de 2007 a 2010, mas nada mencionaram até agora sobre diretrizes de política de comunicação.

Todos estão otimistas com o futuro governo, estudam a realidade e buscam soluções exequíveis, mas não enxergam que comunicação é um dos problemas que o Acre enfrenta. O jornalista Antonio Alves, do blog O Espírito da Coisa, que costuma dar pitaco sobre o tema dentro do governo, pondera:

- Todos sabemos que a política de comunicação tem sido inadequada e agora parece que ninguém sabe o que fazer. Trata-se de uma discussão urgente que o novo governo terá que fazer com a Frente Popular e com a sua equipe. O sistema de comunicação, que funcionou até hoje e foi adequado às diretrizes do governo do Jorge Viana, vai demandar outras definições.

O que vale até agora como diretrizes de comunicação são algumas opiniões de Binho Marques expostas em debate (leia aqui) com os jornalista durante a campanha eleitoral.

Em tempo: afirmação do presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, em entrevista publicada hoje na Folha de S.Paulo:

- Quem tem de discutir a imprensa não é o governo. A imprensa tem de discutir o governo, mas não o contrário.

Assinante da Folha leia mais.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

CONVIDADO DO UOL



O conteúdo deste blog passa a ser publicado também no endereço
http://altinomachado.zip.net/, na seção "Blogs legais convidados", do portal UOL.

- O seu blog já está incluído na lista de convidados e, eventualmente, algum post poderá ser destaque na home do portal - disse Roberto Moreno, coordenador de Interação.

Terei mais trabalho e leitores, espero. O espaço permanece aberto para quem quiser colaborar e es comentários seguem sob a minha democrática moderação.

Clique aqui.

ECO DA REVOLUÇÃO ACREANA

Seringueiros do projeto de assentamento Quixadá, no quilômetro 17 da BR-317, em Brasiléia, na fronteira com a Bolívia, revelaram ao geógrafo Eduardo Silva a existência de um sítio histórico remanescente da Revolução Acreana. Numa trincheira foram encontrados capacete, rifle, machado, fragmentos de munição, tachos de ferro, além de uma bem conservada garrafa de cerâmica, com data de 1850, da marca Wynand Fockink Amsterdam.

- O sítio histórico é evidenciado pela presença marcante de uma trincheira de pedras retiradas do Rio Acre, que foram estrategicamente posicionadas num ponto de aclive, com visual tanto para as terras brasileiras quanto para as terras da fronteira boliviana - afirma Eduardo Silva, autor das fotos.

O geógrafo e os seringueiros suspeitam que a trincheira pode ter sido utilizada por tropas bolivianas como ponto de defesa, na tentativa de conter o avanço do Exercito Acreano, liderado por Plácido de Castro, quando o mesmo subia para o Alto Rio Acre, onde ocorreram confrontos marcantes, como o do Igarapé Baía.

O sítio histórico está localizado na propriedade de Abraão Bandeira, próximo à sede do antigo barracão do Seringal São João. A comunidade de seringueiros espera apoio para promover o turismo e a valorização histórica da região.

Quase todos os sítios históricos do Acre foram dilapidados ao longo do tempo. Neste ano, por exemplo, o exército destruiu 1.450 armas obtidas pela Campanha de Desarmamento, sendo 30 delas de valor histórico, pois foram usadas em combates de seringueiros brasileiros com os militares bolivianos durante a Revolução Acreana. O Departamento Histórico e Cultural do Estado constatara no ano passado a existência das armas, mas esqueceu de exigir ou negociar a cessão das mesmas junto ao Ministério da Justiça. Leia mais em Memória acreana no lixo.

O deputado estadual Moisés Diniz protocolou requerimento no qual pediu a instalação, em caráter de urgência, de uma comissão da Assembléia Legislativa para investigar a destruição de armas históricas, que estavam sob a guarda da Polícia Federal. Não deu nada. Lei mais em Agora é lixo.





Os seringueiros encontram, ainda, no meio da mata fechada, em território boliviano, uma cruz em bronze ou ferro, que mede 1,5 m x 1m.



Geógrafo Eduardo Silva usa o capacete

A INFLUENTE MARINA SILVA

A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, recebe hoje, às 20 horas, no Terraço Daslu, em São Paulo, o prêmio Mulheres Mais Influentes Forbes Brasil na categoria Destaque Nacional. Em sua 3ª edição, o prêmio será entregue também a Zilda Arns, Dorina Nowill e a representantes de Tomie Otake e Zuzu Angel, pelas atividades dessas mulheres excepcionais. Marina Silva estará na capa da próxima edição da revista Forbes Brasil.

A jornalista Liliana Lavoratti, editora de política da Gazeta Mercantil e que também escreve para a revista Forbes, está finalizando a reportagem especial sobre a vida da ex-seringueira e do enfrentamento dela aos problemas ambientais no governo Lula.


Liliana chegou a me entrevistar por telefone durante mais de uma hora. Falei basicamente do tempo que contracenei com a atriz e figurista Marina Silva, quando fazíamos parte do grupo teatral Semente. A jornalista também conversou, entre outros, com o jornalista Antonio Alves e com o governador eleito Binho Marques.

- Ao escolher mulheres de áreas de atuação tão diferentes, a organização do prêmio pretende estender a sua homenagem a todas as mulheres do País - afirma Francisco Britto, publisher da Forbes Brasil.

Além dass cinco personalidades, recebem também o prêmio Mulheres Mais Influentes as mais votadas em 15 áreas de atividades. Essas 20 mulheres, de origens e com histórias de vida tão diferentes encontram um ponto em comum - a força e a garra que demonstraram para atingir os seus objetivos.

Mais informações no blog Amigos do presidente Lula.

CINE BIRIBA

Leila Jalul

Ficava no Papoco, o bairro da nossa mais famosa zona de meretrício. Máquinas velhas, surradas, que muito custaram para que seu Artur e Dona Rita, avós do vereador comunista Márcio Batista, exibissem as películas da época.

A localização do próprio da sétima arte era infame: um casarão de madeira, quase lúgubre. Pra que lá se chegasse, ou se atravessava, com lama beirando os joelhos, a entrada principal do Papoco, caminhando os cento e poucos metros lotados de doidivanas e quengas encrenqueiras, ou se dava uma volta enorme pela rua Rio Grande do Sul.

Segui sempre pelo caminho mais curto. Eu tinha green-card. Oscarito, Grande Otelo, Adelaide, Dercy Gonçalves, Cantinflas, O Gordo e o Magro, Anselmo Duarte. Tudo ali. Todos. Não havia censura nem precisava pagar ingresso.

Chegado o inverno, um só filme era repetido todos os dias. Às vezes, 20, às vezes 40 vezes. Quem se importava com isso? O filme era supimpa, mesmo.

E foi assim com “O Ébrio”. Era um silêncio sepulcral, nada importando a quantos dias estivesse "estreando".

- Nasci artista, fui cantor... Ainda pequeno, me levaram para uma escola de canto. O meu nome, pouco a pouco foi crescendo, crescendo, até chegar aos píncaros da glória...Tive vários amores... todos eles me juraram amor eterno, mas acabavam fugindo com outro....

Calados, nós, assíduos, apenas escutávamos uns fungados e o assoar nos lenços duros, as secreções de dor dos atingidos pela desgraceira.

- Uma noite, quando eu cantava a Tosca, uma jovem da primeira fila, atirou-me uma flor....Essa jovem veio a ser, mais tarde, minha legítima esposa....Noutra noite, quando eu cantava "A Força do Destino", ela fugiu com outro, deixando-me uma carta e, na carta, um adeus...

Uma tarde-noite, de chuva, muita chuva, lá estávamos eu, seu Edmundo, seu Mamede Caboclo (avô do Itany) e seu Alfredinho. Só nós quatro e o operador do qual não lembro o nome. O cara – o operador -, fumava feito uma caipora. No facho de luz, até aonde estava a tela, surgia aquela nuvem fedida do Continental sem filtro. Haja pulmão.

Mesmo assim, lá estava o corno embriagado, que dizia:

- Não pude mais cantar. Mais tarde, lembrei-me que ela, contudo, me havia deixado um pedacinho de meu eu: a minha filha, uma pequenina boneca de carne que eu tinha o dever de educar....

O Edmundo continuava chorando e assoando o nariz. De minha parte, era tanto e convulsivo o choro, que, não por raras vezes, a titela se encontrou com o couro do espinhaço.

- Voltei novamente a cantar, mas só por amor à minha filha. Eduquei-a, fez-se moça e bonita... Até que numa noite, quando eu cantava mais uma vez "A força do destino", Deus levou minha filha, para nunca mais voltar.... Daí para cá, eu fui caindo, caindo, passando dos teatros de alta categoria para os de mais baixa....

Foi nesse exatíssimo momento que o cinema parou. Edmundo deu um soluço tão forte, tão forte, que desmaiou. E ouviu-se um pequeno estalido de um objeto caindo. Ao menos eu ouvi, mas não houve tempo para preocupação de saber o que foi. Osso era de somenos.

Recuperado, vamos continuar assistiando ao filme, que já estava na parte que dizia:

- Falsos amigos, eu vos peço e imploro a cantar, quando eu morrer na minha campa nenhuma inscrição, deixai que os vermes, pouco a pouco, venham consumir este ébrio triste, este triste coração.... Quero somente que na campa onde eu repousar, os ébrios loucos como eu venham depositar, os seus segredos em meu derradeiro abrigo, e suas lágrimas de dor ao peito amigo....

The End!

Cada um para suas casas, ou, de preferência, para o boteco mais próximo. Seu Mamede Caboclo reclamou que, enquanto atendia o Edmundo, durante o desmaio, deixou escapar a dentadura. Nunca mais a encontrou. Só ele gozava da cara do Edmundo. Pudera, o Edmundo era quem limpava o Biriba.

Depois dessa película, outra, de grande poder destrutivo foi exibida pelo resto do inverno: "Coração Materno".

- Disse o campônio à sua amada, minha idolatrada, diga-me o que quer...

Velho Cine Biriba. Quantas lágrimas! Quanta alegria! Quanta vida!

Leila Jalul é cronista e poeta acreana. Tem enviado ao blog textos das aventuras dela em Rio Branco, na fase dos 10 aos 15 anos de idade. O Papoco, antigo bairro boêmio de Rio Branco, está sumindo. Veja reportagem de Leo Rosas no jornal Página 20.

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

"SÓCIOS" INFORMAIS

Elson Martins

O jornalista Altino Machado me apresentou esta semana como “sócio” (assim, entre aspas) do seu blog. Presumo que o parceiro reclama, com alguma ironia, do fato de eu aproveitar em Almanacre matérias que ele recebe de colaboradores do Acre efervescente que admiramos. São histórias boas de contar, ler, reproduzir... Vai daí, em vez de ofensa, considerei promoção. Afinal, eu vinha sendo identificado como “colaborador” - o que tenho sido de verdade desde o nascimento do seu blog.

Eu e Altino atuamos na imprensa acreana faz um bom tempo. Mais novo que eu, ele foi repórter do jornal A Gazeta do Acre (hoje Gazeta) e da TV Aldeia quando eu era diretor. Já nos anos noventa ele me substituiu como correspondente do jornal “O Estado de S. Paulo”, função que exerci de 1975 a 1983. De 2000 para cá tentamos fazer algo juntos uma pá de vezes, mas os ventos sopravam para outro lado. Ele então amarrou a mula no blog e eu me tornei colaborador incerto.

Altino é repórter e editor internauta entre os mais devotados. Seu blog tornou-se leitura obrigatória para quem quer saber notícias do Acre de forma atraente, ágil e às vezes instigantes. Digo que ele encontrou seu estilo. Para mim, porém, a informação eletrônica não anula a impressa - diria até que não tem o mesmo charme, pelo menos para os não apressados como eu. Refiro-me mais à forma que ao conteúdo, e confesso que para ler alguns artigos longos que encontro na rede eletrônica, eu tiro cópias para ler na minha rede, de fios de algodão.

Mas reconheço que na internet - mais que em qualquer outro meio - tem um maior número de pessoas falando as coisas com estilo leve e solto e sem autocensura. O blog do Altino é um exemplo: por sua competência e por acolher colaboradores que o enriquecem. E, o que é melhor: de graça! Acho um luxo você poder publicar textos de pessoas como Glória Perez, Leila Jalul, Mario Lima, Alceu Ranzi, Terri Aquino, Mary Allegretti, entre outros, todos com muita qualidade... Por isso tenho feito esforço para gastar menos dinheiro com cartuchos de tinta para minha impressora.

Quanto ao meu vício de fazer jornal impresso, não tem cura: há cerca de oito semanas, lancei Almanacre, que sai aos domingos procurando sondar a alma do Acre. Por enquanto é apenas uma página impressa, mas sonho com algo maior no futuro. E quero fazer esse trabalho a quatro, cinco, incontáveis mãos, coletivamente. Por isso cato histórias no blog do Altino, nos arquivos do Océlio Medeiros, nos meus alfarrábios, citando a fonte.

A propósito, quarta-feira eu telefonei à Leila Jalul pedindo para publicar seus textos no Almanacre (fiz o mesmo com a Glória Perez recentemente). A Leila, companheira das guerras noturnas do bar Jirau nos anos setenta e, provavelmente, dos serenos do clube Rio Branco em meado dos anos cinqüenta, assentiu logo, cheia de ânimo. Mas recomendou: “Rapaz, pede pro Altino te passar uma crônica que mandei pra ele ontem! O título é Notre École, sobre o Colégio Acreano”.

E lá fui eu perturbar o “sócio” novamente.

Elson Martins é jornalista acreano e realmente somos "sócios" informais neste blog, onde os textos dele sempre dignificam o espaço. Ele assina semanalmente a coluna Almanacre, no jornal Página 20, de onde retirei essa referência. É um profissional tarimbado que admiro desde os 13 ou 14 anos, quando eu ainda morava em Cruzeiro do Sul (AC), no extremo-oeste do Brasil.

SONHO DE CONSUMO



Resposta do Samuel hoje cedo, durante o café, quando Jael, a mãe, quis saber o que gostaria de ganhar como presente no Natal:


- Um caminhão, uma carreta e um MP3 pra escutar música.

VELHINHOS QUE NADA!

Glória Perez passou por aqui hoje, leu a nota e assistiu ao vídeo a respeito do Bar dos Velhinhos, e deixou um comentário lamentoso:

- E eu perdi isso!

Com o título "Velhinhos que nada", a autora da minissérie "Amazônia - De Galvez a Chico Mendes", recomendou aos leitores do blog dela para assistirem aqui "a maravilha que é uma noite no Bar dos Velhinhos, lá em Rio Branco".

Visite o Blog da Autora e conheça histórias do Acre e os bastidores da minissérie.

ANTÔNIO MELLO

Altino,

como vai? Seu blog continua ótimo. Gostei bastante da matéria em que você colocou a mensagem das entidades contra o "destravamento" pretendido por Lula. Vou publicar já, já uma postagem com link para aí.

Quanto ao Antônio Melo (com apenas um "L", meu nome tem dois, MeLLo), não sou eu. Gratíssimo pela mensagem com a informação. Como outras pessoas manifestaram a mesma preocupação, criei até uma postagem para esclarecer o assunto - onde, naturalmente, cito seu blog - disparado o melhor do norte em informação e política. E o melhor do Brasil sobre a região amazônica.

Se puder me ajudar com esse esclarecimento aí na região, agradeço. Clique em Esclarecendo aos que me escrevem: Antônio Mello não é Antônio Melo para entender a confusão.

Mais uma vez, grato pela informação, um abraço do

Antônio Mello

O blog do escritor, roteirista, publicitário e consultor em comunicação interna de empresas Antônio Mello é um de meus preferidos. Mello é coordenador de campanhas políticas e autor de inúmeros jingles de campanhas. É, ainda, autor de "A metáfora de Drácula" (Livraria José Olympio Editora, 1982), contos; "A fome e o medo" (InternAd, 1998), ficção; e "Madame Flaubert" (inédito, 2003), romance. Dramaturgo, autor de Taió, a Guerra do Contestado (1985); Taberna, 1789 - Viva a Revolução! (1989); e Amor Platônico, inédita.

domingo, 26 de novembro de 2006

BAR DOS VELHINHOS

O bar faz sucesso no calçadão da Gameleira, o centro histórico de Rio Branco, há mais de um ano, quando cinco amigos começaram a se reunir no local para tocar música brasileira, sobretudo choro e samba.

Nos finais de semana o ambiente é invadido por universitários, artistas e intelectuais, que fogem do império dos pagodes e calypsos da vida.

O point ficou conhecido na cidade como Bar dos Velhinhos, mas os integrantes do conjunto "Namorado da Lua" negam. Dizem que o nome correto é Bar do Maurício ou Bar do Mamão, onde os frequentadores se espremem para jogar sinuca, beber cachaça, cerveja e ouvir música.

Os músicos decidiram deixar de tocar de graça durante alguns dias e os pagodeiros aproveitaram para ocupar o espaço. A Fundação Cultural Elias Mansour contratou o "Namorado da Lua" para voltar a animar as noites do pedaço.

Foi lá que o jornalista Antonio Alves, do blog O Espírito da Coisa e da assessoria do governador Jorge Viana, quase foi barrado quando quis exibir a afinação da voz.


- Aqui você não canta. Vocês já ganharam o governo, a prefeitura, elegeram os três senadores, estão dominando tudo. Agora você aparece pra começar a dominar o bar? Não - argumentou o dono.

Toinho acabou interpretando "O Ébrio", de Vicente Celestino, não sem antes assumir o compromisso de não usar o microfone para falar de política. O ex-presidente da Fundação Cultural de vez em quando reaparece para desafinar o coro dos contentes do seu tempo.


Direito de resposta ao Antonio Alves:

- Repilo veementemente a ilação veiculada neste blog de que eu teria interpretado "O Ébrio", de Vicente Celestino. Ainda não (embora seja uma de minhas melhores performances, quem já viu pode atestar). Apenas cantei, singelamente, algumas páginas de ouro da Velha Guarda, iniciando com "A Volta do Boêmio", de Adelino Moreira, naturalmente sem a pretensão de imitar o inigualável Nelson Gonçalves. Ah, e o cidadão que tentou me barrar não foi o dono do bar, mas um dos frequentadores que já estava com seu senso musical um tanto prejudicado pelo excesso de álcool.

Bem, constatei que o Bar dos Velhinhos já conta até com uma comunidade no Orkut, desde junho. Assista agora ao musical.

sábado, 25 de novembro de 2006

DEVER DE CASA

Aníbal Diniz

Caro Altino,


Só para te posicionar: enquanto o governador eleito Binho Marques representa os petistas do
Acre no encontro do diretório nacional do PT, que acontece hoje e amanhã em São Paulo, presidentes e parlamentares eleitos dos partidos que integram a Frente Popular trabalharam duro na discussão dos quatro eixos estratégicos do que vai ser o governo Binho Marques, de 2007 a 2010.

Os dirigentes dos partidos da Frente Popular estão fazendo o dever de casa como manda o figurino. Estudando a realidade e buscando soluções exequíveis para os problemas que o Acre enfrenta. Todos estão otimistas com o futuro governo.


Um abraço

Aníbal Diniz é jornalista, suplente do senador reeleito Tião Viana (PT) e Secretário de Comunicação do Governo do Acre. Detalhe da transição: no último dia de governo o secretariado e ocupantes de cargos comissionados serão exonerados por Jorge Viana. A nova equipe será nomeada por Binho Marques. Os eixos estratégicos contidos no plano de governo "Desenvolvimento com Oportunidade para Todos, 2007-2010", produzido a partir de seminários em todos os 22 municípios, com a participação de mais de 4 mil pessoas e o envolvimento de 120 técnicos das mais diferentes áreas, são: Desenvolvimento Econômico Sustentável, Desenvolvimento Social, Infra-estrutura e Gestão Participativa. A partir desses eixos, com as dezenas de propostas para cada um deles, é que os partidos da Frente Popular que compoem o grupo de transição trabalham nos últimos dias. Os próximos encontros serão terça-feira, às 19 horas, e sábado, dia 2 de dezembro, das 8 às 18 horas.

SEU ALDENOR NA VEJA

GENTE QUE FAZ

Seringueiro há 35 anos, o acreano Aldenor Costa Souza, 64 anos, foi contratado pela Globo para imprimir realismo à minissérie Amazônia – De Galvez a Chico Mendes, que estréia no dia 2 de janeiro. O trabalho – orientar atores como Jackson Antunes e Antônio Pitanga nos rudimentos da sua profissão – começou na floresta e prossegue agora no cenário do Projac, no Rio de Janeiro, cidade que visita pela primeira vez.

Aqui, conta suas impressões:


COMO É O TRABALHO COM OS ATORES?
Eu mostro como eles devem cortar a seringueira, fazer a colheita e defumar a borracha.

COMO ELES ESTÃO SE SAINDO?
Os cabras não levam muito jeito, não. Para fazer uma ceninha só, até que dá para enganar. Mas, se fosse ali o dia inteiro, debaixo do sol, não iam agüentar.

O QUE O SENHOR ACHOU DO RIO DE JANEIRO?
O lugar até que é bonito, mas é terra de barão. Tudo é muito caro. O que eu mais gostei foi ver o pessoal voando de asa-delta. Na semana que vem vou pular também.

O SENHOR É CASADO? TEM FILHOS?
Tenho onze filhos. Sabe como é, no meio do mato a gente não tem muito que fazer... Minha antiga mulher me trocou por outro cabra mais bonito, daí eu fiquei meio largado. Como tinha uma vizinha na mesma situação, perguntei se podia me mudar para a casa dela e ela disse que sim. É a minha velhinha: tem 81 anos. É bom porque eu sei que ela não vai me trocar, como a outra fez.

A entrevista com Aldenor, personagem ignorado pela grande imprensa do Acre, foi publicada na seção Gente da revista Veja, com foto de Oscar Cabral. Seu Aldenor está em vários posts com fotos e vídeos neste blog. Asseguro que vale a pena vê-lo dançando, cantando e contando histórias. Clique em Glória Perez no Acre, Marujos da Alegria, De Galvez a Chico Mendes ou Glória Perez cai na folia.

Avisos da Glória Perez:

- Estou apavorada: amanhã (domingo) seu Aldenor vai pular de asa delta e ninguém o demove!

- Ainda bem que amanheceu nublado e o vôo do seu Aldenor ficou pro domingo que vem!

LULA É REPUDIADO

Organizações da sociedade civil, movimentos sociais, entidades ambientalistas e indígenas divulgam nota na qual repudiam as declarações dadas pelo Presidente da República, em Barra do Bugres (MT), na terça-feira, de que as questões dos índios, quilombolas, ambientalistas e Ministério Público travam o desenvolvimento do País.

"A declaração do Presidente da República de que as questões dos índios, quilombolas, ambientalistas e Ministério Público travam o desenvolvimento do País, causa-nos profunda indignação.

Informações do próprio governo atestam que a morosidade na tramitação de alguns projetos de infra-estrutura se deve à sua má qualidade ambiental, ao não-cumprimento de prazos por parte dos empreendedores e à insuficiência de quadros e de recursos nos órgãos públicos responsáveis pelo licenciamento.

“Destravar” o desenvolvimento não deveria significar a supressão de direitos ou degarantias legais, e sim a superação de fragilidades técnicas dos empreendedores e do governo. Ao atacar minoria, o Presidente recorre a um pretexto obviamente inconsistente e comete inominável injustiça.

O exercício da função de fiscal da lei pelo Ministério Público só pode ocasionar eventual atraso na implementação de projetos de infra-estrutura quando é acolhido por decisões do Poder Judiciário, que aos governantes, em regime democrático, cabe cumprir.

A todos interessa o desenvolvimento do País, que não é apenas crescimento econômico, lição aprendida desde os tempos da ditadura. Estamos à disposição do Presidente para um diálogo franco e direto sobre o interesse comum pelo desenvolvimento em sentido amplo.

DESENVOLVIMENTO, SIM. DE QUALQUER JEITO, NÃO".

A nota de repúdio às declarações do presidente Lula é assinada por 51 entidades e mais adesões estão sendo incorporadas.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

GLÓRIA ACREANA

De Galvez a Chico Mendes

Lysias Ênio

Tudo começou lá nos idos de 1800 e lá vai chumbo, quando um grupo de cearenses, fugindo da seca, debandou para as “Tierras no Discubiertas", como era assinalada nos mapas da época. Movidos pela fome, com um sonho no bolso e outro na cabeça, passaram muito além de nossas fronteiras, povoando os altos rios acreanos.

Por volta de 1880, a região estava quase totalmente ocupada por brasileiros, o que levou a Bolívia a tentar a retomada das terras que por direito lhe pertencia nos termos do Tratado de Ayacucho (1867). Com isto não concordaram os brasileiros e decidiram enfrentar as autoridades estrangeiras.

A Insurreição Acreana, iniciada em 1898, foi marcada por lutas armadas, barricadas, muito chumbo e muita bala para sufocar a resistência boliviana.

Capítulos dessa história, envolvendo alguns dos bravos revolucionários, serão mostrados em uma minissérie assinada pela acreana Glória Perez, nascida em Rio Branco, em 1948. Daí a justa homenagem que lhe presta a Casa do Acre no Rio de Janeiro, em reconhecimento ao relevante serviço de difusão da história política e social do Povo da Floresta.

Destaque especial ao espanhol Luiz Galvez Rodrigues de Árias, que proclamou o Estado Independente do Acre (14/7/1899), e do gaúcho José Plácido de Castro que, à frente de seringueiros, foi o responsável pela tomada de Puerto Alonso, transformada em Porto Acre (24/1/1903).

A saga acreana chega até a modernidade, destacando o importante papel de Chico Mendes (Francisco Alves Mendes Filho), na questão dos seringueiros. Premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o prêmio "Global 500" e neste mesmo ano agraciado com a "Medalha do meio ambiente" da organização "Better World Society", Chico Mendes chamou a atenção mundial para a questão das Reservas Extrativistas dos seringueiros que ele representava. Foi covardemente assassinado em Xapuri, em 1988.

O Acre é fonte inesgotável de riquezas históricas, folclóricas, e de manifestações artísticas, fruto da miscigenação de brasileiros de diversas origens que, junto com as populações indígenas nativas da região, formam um rico mosaico de culturas e etnias.

Produzir "Glória Acreana - De Galvez a Chico Mendes" significa abrir espaço para um produto musical dirigido ao mercado brasileiro e, também, internacional, pelo interesse que a MPB desperta, graças à diversidade de gêneros, influências de etnias, além da inimitável “bossa”, o jeitinho brasileiro de registrar através do seu cancioneiro o testemunho sócio-cultural da nossa história.

Visando a produção e difusão da produção cultural acreana, o projeto contempla a produção de dois renomados artistas do cenário musical brasileiro contemporâneo: os cantores, intrumentistas e compositores acreanos Sérgio Souto e João Donato, reunidos pela primeira vez, num espelho que reflete diferentes tendências e fases de suas criações musicais.

O poeta Lysias Ênio, irmão e principal letrista de João Donato, é diretor do show "Glória Acreana - De Galvez a Chico Mendes", que acontecerá no Rio, no dia 18 de dezembro, no Teatro do Sesi. Como todos estão empenhados em difundir, desenvolver e proteger a história do Acre, dando a conhecer o imenso potencial de sua gente, coisas e costumes, integrado-o com a identidade nacional brasileira, seria muito oportuno que convidassem para o show alguns outros bons compositores que permanecem cá, nas "Tierras no Discubiertas", como o Pia Vila e seu mastigadinho.

O BOI E A HIERARQUIA

Leila Jalul

Ao digitar este texto, a Adélia Prado, com toda a sua mineirice, entremeada com uma talhada de goianidade, dava uma entrevista ao Globo News e dizia que, quando escreve, sente os defuntos ao seu redor.

Comigo está acontecendo a mesma coisa. Meu quarto está empestado de espíritos de porcos dizendo: fala de mim. E eu? Peraí, eu sou mais eu. Uns me cutucam, outros apagam o que está digitado, e, pior, outros interferem nas ondas do meu provedor.

É tudo gente tinhosa. Eu, como um cavalo obediente, vou procurando atender a todos, na medida de suas necessidades. Vocês não acreditam? Agora mesmo, neste exato minuto, eles afastaram o texto para o lado esquerdo e fiquei sem entender nada.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. Para sempre seja louvado. Eu só queria contar que visitei, no dia do velório do Joaquim Macedo, pela vez primeira, o Mercado Velho revitalizado pelo menino Jorge Viana!

Coisa linda. Estávamos eu, minha comadre Jorgete e sua comadre Val. Tudo comadre. Aliás, no Acre de antanhos, quem não era irmão, era primo. Os outros eram compadres e comadres. Uma máfia do caralho. Tutti buona genti.

Mas eu preciso falar do boi. No boi daquele tempo. Tem nada a ver com o de Parintins. No tempo quando açougueiro era apelidado de magarefe. No tempo das cestas de vime, da fila ou cobrinha.

E foi assim, de sopetão, quando entrei no mercado revitalizado, que senti o choque elétrico na vertebral. Lá se faziam presentes duas almas de dois magarefes. Virei para a esquerda e falei: ali era o açougue do Zé Mourão. E do Raimundo.

Incorporei. Pensem, na cidade de Rio Branco, para alimentar uma população inteira, se sacrificava apenas e unicamente um pobre boi. Magro, quase sempre magro.

Agora vamos à divisão: o filé, pro governador. Contrafilé, pro prefeito. A alcatra pro bispo e pra irmandade, que se alimentava muito bem, diga-se de passagem. A chã-de-dentro do juiz. Já estava velho, coitado.

A chã-de-fora pro provedor da maternidade. Provedor da maternidade era tanto quanto ou mais autoridade e autoritário que o governador. É mole, ou quer mais?

As costelas e os músculos para o Hospital das Clínicas. E o cupim? Pronde foi? Foi pro dono do boi.

Ali, naquele aglomerado, estava eu. Cesta na mão, dinheiro na outra. Fazendo uma ginástica do tcham para me esgueirar das pimbas duras e aproveitadoras, que insistiam em se esfregar em mim.

Deus que proteja e que tenha em Sua Santa e Eterna Glória o meu grande protetor e amigo Boaventura dos Santos Moreira. E dê saúde e felicidade ao Seu Aureliano dos Santos Barreto, pai de minha amiga Judite.

Eles me defendiam. E faziam de tudo para que, ao final do embate, entrasse na minha pequena cesta um palmo de pescoço, com carótida e tudo. E mais: dois quilos de ossos que viravam a sopinha da irmã Zarur.

Hoje, perdeu a graça. Já não sinto mais o sabor da carne de pescoço.

Agora engulo cobra.

Leila Jalul é cronista, poeta e colaboradora do blog.

VANGUARDA DA ESPERANÇA

Mensagem que Chico Mendes escreveu na agenda para a filha Elenira:

- És a vanguarda da esperança. Elenira - darás continuidade um dia à luta que teu pai não conseguirá vencer.

Estive com Elenira hoje, no Parque Chico Mendes, tirando fotos para ilustrar a entrevista dela ao jornalista Alceu Castilho, da Agência Repórter Social, que será publicada na próxima edição da Revista do Brasil.

- Foi esse bilhete deixado por meu pai que me motivou a prosseguir a sua luta em defesa da floresta - disse Elenira, que atualmente preside a Fundação Chico Mendes.

IMPRENSA ACREANA

Do governador eleito do Acre, Binho Marques, durante debate (leia aqui) com os jornalistas, em agosto:

- Eu não gosto quando vejo nos jornais os mesmos títulos e textos dos press-releases distribuídos pela Secretaria de Comunicação. Eu acho isso muito feio.


Manchetes de hoje dos quatro diários da "grande" Rio Branco:


Binho define prioridades do Estado em encontro com Lula
(A Gazeta)

Binho define junto com prefeitos prioridades do Estado no orçamento
(Página 20)

Binho e bancada definem recursos para obras no Acre
(A Tribuna)

Polícia desmonta laboratório de droga no barranco do Rio Acre
(O Rio Branco)

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

NOTRE ÉCOLE

Leila Jalul

Notre école [Colégio Acreano] est située a la rue Benjamin Constant... Nous alons a table... Tinha que estar tudo trés joulie, na ponta de nossas línguas. E a gente carregava aquela porrada de livros, textos de francês, latim, portugês e, de lambuja, ainda tinha um tal de Ary Quintela, pequeno e pesado. Era o de matemática. Um terror! Nossos professores, todos gente fina. Dona Luluz, a tradução literal da palavra simpatia. Era meio doidinha, a bem da verdade. Talvez a razão de tanta simpatia. Ela ainda é viva. Caçamba. Tá virando cobra-grande. Ainda toca piano e, para indignação, ainda viaja para a Europa sozinha. Não é doida, mesmo?

O professor Rufino, a cara do Aluízio de Azevedo, de "O Cortiço". Um dos negros mais bonitos que o raio de sol cobriu. Figura bonita e esquisita. Garboso, elegante e, para que se lhe acrescente maior aura, extremamente reservado. Solteiro? Descasado? Assexuado? Come-quieto? Homossexual? Ninguém tinha nada a ver com isso. Ele passava por cima dos mortais com galhardia, como se caminhasse sobre nuvens. Não perdoava erros, não acrecentava décimos nem quartos de décimos, nem de milésimos para que quaisquer de seus discípulos passasse de um ano para o outro sem fazer força.

Sobrava para a gente, que tinha que ficar calada e sem resmungos, acordar as quatro da madrugada e estudar. Pior ainda, tinha que fazer o trajeto declinando: a - ae - ae - ama - a - i - i - orum - is - os - i - is. Regina, Regina, você me alucina. Regina, Reginae, Reginae, prima da Rosa, Rosae, Rosae, vocês são todas cretinas! Tinha que ler as catilinárias. Doideira. Prá que tudo isso?

Saía o de latim, o meu Rufino, não sem antes deixar o eco do "persona tragicam forte vulpes viderat", entrava a de francês, minha mimosa Luluz. "J'ai cassé le dó da ma clarinete, j'ai cassé le dó de ma clarinete. Ah! se papa il savait, trá, lá, lá! Il dirait, il chantrait. Opá camarade, opá, opá, opá".

Mas o que me calava fundo, muito fundo, fundo mesmo, e me embargava, dava nó nas tripas e engasgo, era quando a gente se arrumava feito garrafa de coca-cola em prateleiras de supermercado para cantar La Marseillaise. Coisa bonita, se faz devagar, sem pressa, diz Keilah Diniz. E a do canto orfeônico? Seria a Dona Selva, por acaso? Não consigo lembrar.

Aquilo parecia harmonia brotando do chão. Juro. Tudo com regência. Compasso binário, compasso quartenário e terciário, se coubesse. Um, dois, três. "Meus sinos, queridos sinos..." E as duas mãos alvas, com os indicadores ligados aos polegares, mais pareciam o bailar de dois pequenos barcos. Os textos de português eram coisa pra maluco nenhum botar defeito. A mulher do sino de ouro... Doem minhas costas só de lembrar o tanto de moedas que a velha doidona escondeu debaixo do colchão para construir seu sonho de consumo.

Os desenhos geométricos, Santo Deus. aquele montão de gregas pintadas em degradé, com lápis de cor da Johann Faber, comprados na papelaria do seu Anastácio. A gente sabia ler, escrever e falar. Sabia, através da professora de trabalhos manuais, a fazer rendas de tenerife. A ninguém era negado o sagrado e inútil direito de saber que a tangente de um ângulo de quarenta e cinco graus é igual a um.

Valem agora, só de pirraça, alguns parágrafos sobre duas inspetoras da notre école. Elevadas ao cubo, vistas em 3D, nunca vi gentinha mais amarga do que aquelas criaturas. Dona Nair e Dona Vanda Gaston. E, de troco, ainda tinha uma filha e neta - a Teresa.

Puta que pariu! Que destino infame. Elas me marcavam de perto. Estava no banheiro, lá vinha uma; estava no corredor, lá vinha a outra. Não tinha um só minuto de trégua. Para minha infelicidade, o caminho das duas (das três, para ser mais exata), necessariamente, tinha que ser pela frente da loja do meu avô. Bastava eu chegar e minha mãe, mais histérica e paranóica do que a Neuzinha Brizola, descia o malho. Eu apanhava, apanhava tanto, tanto, bem mais do que um manequim de sapateiro. Isso tudo acontecia baseado no princípio de que uma laranja podre arrebenta com o pomar. A boa educação das minhas irmãs mais velhas, duas moscas mortas e obedientes, não podia ser contaminada por causa das ações de uma delinquente juvenil.

Ah! Tinha volta. Tinha. E como tinha. Todas, todas, sem exceção de nenhuma das pornografias escritas na parte interna das portas dos banheiros da notre école, foram de minha lavra. E não me arrependo. Desenhos de piriquitos em forma triangular e frases indecorosas, tudo eu. Tudo eu. Tudo eu. "A Dona Nair é puta". "Dona Vanda é puta". "E a Tereza, se ainda não é, vai ser". A gente tinha que aprender de tudo, principalmente a se defender. Do que valeria eu saber que a tangente de um ângulo de 45 graus é igual a um e continuar apanhando? Valeria a pena?

P.S.: Os erros de grafia de qualquer das línguas aqui expostas são de minha inteira responsabilidade. Não tenho nem mordomo, nem datilógrafo. Tudo eu, tudo eu, tudo eu. Se isso vier a virar qualquer coisa, cuidarei da revisão. Por enquanto, estou na esfera do coloquial. E tenho dito.

Leila Jalul é cronista, poeta e colaboradora do blog.

A MELHOR PROFISSÃO DO MUNDO

Gabriel García Márquez

Há uns cinqüenta anos não estavam na moda escolas de jornalismo. Aprendia-se nas redações, nas oficinas, no botequim do outro lado da rua, nas noitadas de sexta-feira. O jornal todo era uma fábrica que formava e informava sem equívocos e gerava opinião num ambiente de participação no qual a moral era conservada em seu lugar.

Não haviam sido instituídas as reuniões de pauta, mas às cinco da tarde, sem convocação oficial, todo mundo fazia uma pausa para descansar das tensões do dia e confluía num lugar qualquer da redação para tomar café. Era uma tertúlia aberta em que se discutiam a quente os temas de cada seção e se davam os toques finais na edição do dia seguinte. Os que não aprendiam naquelas cátedras ambulantes e apaixonadas de vinte e quatro horas diárias, ou os que se aborreciam de tanto falar da mesma coisa, era porque queriam ou acreditavam ser jornalistas, mas na realidade não o eram.

O jornal cabia então em três grandes seções: notícias, crônicas e reportagens, e notas editoriais. A seção mais delicada e de grande prestígio era a editorial. O cargo mais desvalido era o de repórter, que tinha ao mesmo tempo a conotação de aprendiz e de ajudante de pedreiro. O tempo e a profissão mesma demonstraram que o sistema nervoso do jornalismo circula na realidade em sentido contrário. Dou fé: aos 19 anos, sendo o pior dos estudantes de direito, comecei minha carreira como redator de notas editoriais e fui subindo pouco a pouco e com muito trabalho pelos degraus das diferentes seções, até o nível máximo de repórter raso.

A prática da profissão, ela própria, impunha a necessidade de se formar uma base cultural, e o ambiente de trabalho se encarregava de incentivar essa formação. A leitura era um vício profissional. Os autodidatas costumam ser ávidos e rápidos, e os daquele tempo o fomos de sobra para seguir abrindo caminho na vida para a melhor profissão do mundo - como nós a chamávamos. Alberto Lleras Camargo, que foi sempre jornalista e duas vezes presidente da Colômbia, não tinha sequer o curso secundário.

A criação posterior de escolas de jornalismo foi uma reação escolástica contra o fato consumado de que o ofício carecia de respaldo acadêmico. Agora as escolas existem não apenas para a imprensa escrita como para todos os meios inventados e por inventar. Mas em sua expansão varreram até o nome humilde que o ofício teve desde suas origens no século XV, e que agora não é mais jornalismo, mas Ciências da Comunicação ou Comunicação Social.

O resultado não é, em geral, alentador. Os jovens que saem desiludidos das escolas, com a vida pela frente, parecem desvinculados da realidade e de seus problemas vitais, e um afã de protagonismo prima sobre a vocação e as aptidões naturais. E em especial sobre as duas condições mais importantes: a criatividade e a prática.

Em sua maioria, os formados chegam com deficiências flagrantes, têm graves problemas de gramática e ortografia, e dificuldades para uma compreensão reflexiva dos textos. Alguns se gabam de poder ler de trás para frente um documento secreto no gabinete de um ministro, de gravar diálogos fortuitos sem prevenir o interlocutor, ou de usar como notícia uma conversa que de antemão se combinara confidencial.

O mais grave é que tais atentados contra a ética obedecem a uma noção intrépida da profissão, assumida conscientemente e orgulhosamente fundada na sacralização do furo a qualquer preço e acima de tudo. Seus autores não se comovem com a premissa de que a melhor notícia nem sempre é a que se dá primeiro, mas muitas vezes a que se dá melhor. Alguns, conscientes de suas deficiências, sentem-se fraudados pela faculdade onde estudaram e não lhes treme a voz quando culpam seus professores por não lhes terem inculcado as virtudes que agora lhes são requeridas, especialmente a curiosidade pela vida.

É certo que tais críticas valem para a educação geral, pervertida pela massificação de escolas que seguem a linha viciada do informativo ao invés do formativo. Mas no caso específico do jornalismo parece que, além disso, a profissão não conseguiu evoluir com a mesma velocidade que seus instrumentos e os jornalistas se extraviaram no labirinto de uma tecnologia disparada sem controle em direção ao futuro.

Quer dizer: as empresas empenharam-se a fundo na concorrência feroz da modernização material e deixaram para depois a formação de sua infantaria e os mecanismos de participação que no passado fortaleciam o espírito profissional. As redações são laboratórios assépticos para navegantes solitários, onde parece mais fácil comunicar-se com os fenômenos siderais do que com o coração dos leitores. A desumanização é galopante.

Não é fácil aceitar que o esplendor tecnológico e a vertigem das comunicações, que tanto desejávamos em nossos tempos, tenham servido para antecipar e agravar a agonia cotidiana do horário de fechamento.

Os principiantes queixam-se de que os editores lhes concedem três horas para uma tarefa que na hora da verdade é impossível em menos de seis, que lhes encomendam material para duas colunas e na hora da verdade lhes concedem apenas meia coluna, e no pânico do fechamento ninguém tem tempo nem ânimo para lhes explicar por que, e menos ainda para lhes dizer uma palavra de consolo.

'Nem sequer nos repreendem', diz um repórter novato ansioso por ter comunicação direta com seus chefes. Nada: o editor, que antes era um paizão sábio e compassivo, mal tem forças e tempo para sobreviver ele mesmo ao cativeiro da tecnologia.

A pressa e a restrição de espaço, creio, minimizaram a reportagem, que sempre tivemos na conta de gênero mais brilhante, mas que é também o que requer mais tempo, mais investigação, mais reflexão e um domínio certeiro da arte de escrever. É, na realidade, a reconstituição minuciosa e verídica do fato. Quer dizer: a notícia completa, tal como sucedeu na realidade, para que o leitor a conheça como se tivesse estado no local dos acontecimentos."

"O gravador é culpado pela glorificação viciosa da entrevista. O rádio e a televisão, por sua própria natureza, converteram-na em gênero supremo, mas também a imprensa escrita parece compartilhar a idéia equivocada de que a voz da verdade não é tanto a do jornalista que viu como a do entrevistado que declarou. Para muitos redatores de jornais, a transcrição é a prova de fogo: confundem o som das palavras, tropeçam na semântica, naufragam na ortografia e morrem de enfarte com a sintaxe.

Talvez a solução seja voltar ao velho bloco de anotações, para que o jornalista vá editando com sua inteligência à medida que escuta, e restitua o gravador a sua categoria verdadeira, que é a de testemunho inquestionável. De todo modo, é um consolo supor que muitas das transgressões da ética, e outras tantas que aviltam e envergonham o jornalismo de hoje, nem sempre se devem à imoralidade, mas igualmente à falta de domínio do ofício.

Talvez a desgraça das faculdades de Comunicação Social seja ensinar muitas coisas úteis para a profissão, porém muito pouco da profissão propriamente dita. Claro que devem persistir em seus programas humanísticos, embora menos ambiciosos e peremptórios, para ajudar a constituir a base cultural que os alunos não trazem do curso secundário.

Entretanto, toda a formação deve se sustentar em três vigas mestras: a prioridade das aptidões e das vocações, a certeza de que a investigação não é uma especialidade dentro da profissão, mas que todo jornalismo deve ser investigativo por definição, e a consciência de que a ética não é uma condição ocasional, e sim que deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro.

O objetivo final deveria ser o retorno ao sistema primário de ensino em oficinas práticas formadas por pequenos grupos, com um aproveitamento crítico das experiências históricas, e em seu marco original de serviço público. Quer dizer: resgatar para a aprendizagem o espírito de tertúlia das cinco da tarde.

Um grupo de jornalistas independentes estamos tratando de fazê-lo, em Cartagena de Indias, para toda a América Latina, com um sistema de oficinas experimentais e itinerantes que leva o nome nada modesto de Fundação do Novo Jornalismo Ibero-Americano. É uma experiência piloto com jornalistas novos para trabalhar em alguma especialidade - reportagem, edição, entrevistas de rádio e televisão e tantas outras - sob a direção de um veterano da profissão."

A mídia faria bem em apoiar essa operação de resgate. Seja em suas redações, seja com cenários construídos intencionalmente, como os simuladores aéreos que reproduzem todos os incidentes de vôo, para que os estudantes aprendam a lidar com desastres antes que os encontrem de verdade atravessados em seu caminho. Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade.

Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte."

Discurso de Gabriel García Márquez, jornalista profissional e um dos nomes mais importantes da literatura mundial, durante a assembléia da Sociedade Interamericana de Imprensa, no dia 7 outubro de 1996, em Los Angeles. Aproveitem e visitem o site da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano, criada pelo escritor que jamais esquece suas origens.

AÇÃO CIVIL

Prefeito de Xapuri responderá por crime ambiental

Elson Martins

A procuradora Márcia Regina Pereira, da Procuradoria do Meio Ambiente do Estado, entrou ontem com ação civil na Justiça de Xapuri contra o prefeito Wanderley Viana, acusado de ter causado danos irreparáveis em 18 árvores da praça de São Sebastião, naquela cidade.

A ação se baseia em noticiário da imprensa divulgado há duas semanas e num laudo de vistoria feito pelo Instituto do Meio Ambiente do Acre, Imac, que comprovou a destruição das árvores. A procuradora pede que a Justiça condene o prefeito a pagar indenização e que o impeça de cometer outros crimes contra o ambiente em áreas públicas.

Wanderley Viana será citado e, se não responder à ação, o que é bem de seu estilo, poderá ser julgado à revelia. Caso seja condenado e se oponha a cumprir a pena prevista, receberá multas diárias.

Márcia Regina esclareceu que a ação é uma resposta da procuradoria à comunidade de Xapuri, que ficou chocada com a atitude criminosa do prefeito.

- Ele não pode tratar o espaço público como se fosse sua propriedade particular e, o que é mais grave, ignorar as leis ambientais - afirmou a procuradora.

Elson Martins é jornalista e "sócio" deste blog.

THE NEW YORK TIMES

Há muito negligenciados, os 'soldados da borracha' do Brasil buscam recompensa

Larry Rohter
em Rio Branco, Brasil

Em certa manhã de 1942, Alcidino dos Santos estava a caminho do mercado para comprar legumes para sua mãe quando foi parado por um oficial do exército, que lhe disse que estava sendo convocado como "soldado da borracha". Homens eram necessários na Amazônia, a 4.800 quilômetros de distância, para extrair borracha para o esforço de guerra aliado, lhe foi dito, e que era seu dever patriótico servir.


Alcidino dos Santos, 'soldado da borracha', diz que
foi levado à Amazônia contra a vontade


Alcidino, na época um auxiliar de pedreiro de 19 anos, protestou que sua mãe era uma viúva que dependia dele, mas sem sucesso. Ele receberia um salário de 50 centavos por dia, ele lembra de lhe terem dito, e receberia transporte gratuito para casa assim que o conflito terminasse, mas que tinha que partir naquele dia.

Mais de 60 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, Alcidino e centenas de outros brasileiros pobres que foram arrastados para o serviço como soldados da borracha ainda estão na Amazônia, aguardando que as promessas sejam cumpridas. Idosos e frágeis, eles estão lutando contra o tempo e a indiferença para obter o reconhecimento e a compensação que acreditam merecer.

"Nós fomos enganados e depois abandonados e esquecidos", disse Alcidino, que nunca mais viu sua mãe, em uma entrevista em sua casa simples de madeira aqui no Acre, um Estado no extremo oeste da Amazônia brasileira e que conta com a maior concentração de antigos soldados da borracha. "Nós fomos trazidos aqui contra nossa vontade", ele disse, "e jogados na selva, onde sofremos terrivelmente. Eu estou perto do fim da minha vida, mas meu país deveria me tratar bem."

O programa surgiu de um acordo entre os Estados Unidos e o Brasil. O ataque japonês a Pearl Harbor cortou os Estados Unidos de sua principal fonte de borracha, a Malásia, e o presidente Roosevelt procurou o ditador do Brasil, Getúlio Vargas, para preencher esta lacuna estratégica em troca de milhões de dólares em empréstimos, créditos e equipamento.

Segundo documentos do governo brasileiro, mais de 55 mil pessoas, quase todas do Nordeste assolado pela pobreza e pela seca, foram enviados para a Amazônia para extrair borracha para o esforço de guerra. Não há números oficiais de quantos sucumbiram a doenças ou ataques de animais, mas historiadores estimam que quase metade pereceu antes da rendição do Japão, em setembro de 1945.

"Alguns morreram de malária, febre amarela, beribéri e hepatite, mas outros foram mortos por cobras, arraias e até panteras", lembrou Lupércio Freire Maia, 86 anos. "Eles não tinham medicamentos apropriados para doenças ou picadas de cobra aqui nos campos, de forma que quando alguém morria, você enterrava do lado do barraco e continuava trabalhando."

O trabalho era exaustivo, perigoso e insalubre: os soldados da borracha levantavam pouco depois da meia-noite, atravessavam a selva no escuro para cortar sulcos nas seringueiras e voltavam mais tarde para recolher o látex que pingava em vasilhas.

Eles então defumavam o líquido branco em bolas sólidas pesando até 60 quilos, um processo que gera tanta fumaça que muitos ficaram cegos ou com problemas de visão.

Apesar de muitos soldados da borracha terem sido forçados a servir, alguns poucos se alistaram, na esperança de aventura e riqueza. José Araújo Braga, 82 anos, descreveu a si mesmo como "um garoto rebelde que queria ver o mundo" e assim foi facilmente atraído pela propaganda do governo, que falava da Amazônia como um Eldorado, onde o esforço "Borracha para a Vitória" poderia render ao trabalhador esforçado uma fortuna.

"Eu poderia ter ingressado no Exército e ido para a Europa", onde soldados brasileiros lutaram ao lado das forças americanas na Itália e atualmente são tratados como heróis, ele disse. "Mas eu escolhi a Amazônia porque, tolo, achei que podia ganhar muito dinheiro." Mas assim que os homens chegavam à Amazônia seus salários cessavam e eram aquartelados, sem a permissão de visitas.

"Eles nos tratavam como mulas em um mercado", disse Jacó Sá de Queiroz, 89 anos, um dono de propriedade rural que ainda vive na floresta perto daqui. "Nós fazíamos fila e os chefes dos seringais escolhiam os trabalhadores que queriam, dando preferência aos mais fortes, como se fôssemos animais de carga."

Quando a guerra e o interesse americano acabaram, as pessoas que lucravam com o arranjo não se mostraram dispostas a perder sua mão-de-obra gratuita. Os chefes dos seringais "temiam um êxodo caso a notícia se espalhasse, de forma que muitos soldados da borracha ainda ficaram na selva por anos, sem ter conhecimento", disse Marcos Vinícius Neves, um historiador que é diretor de uma fundação do governo para preservação histórica daqui.

Lupércio disse: "Foi só em 1946 que eu soube que a guerra tinha acabado. Nós não tínhamos rádio e estávamos completamente isolados do mundo exterior".

Mas aqueles que souberam imediatamente da notícia também encontraram problemas para partir e receber seus salários. Muitos foram informados que deviam dinheiro aos chefes dos seringais por alimentos, roupas ou equipamentos, e que teriam que continuar trabalhando até que suas dívidas fossem quitadas.

"Eu fiquei tão feliz no dia em que a guerra acabou, porque pensei, 'agora finalmente vou poder ir para casa'", lembrou Alcidino. "Mas quando fui falar com o chefe sobre ir embora, ele disse: 'Você está brincando?' e me mandou voltar ao trabalho."

Sem dinheiro e sem transporte, a maioria dos soldados da borracha se resignaram em permanecer na Amazônia. Eles se casaram, tiveram famílias e continuaram trabalhando nos seringais ou se tornaram donos de propriedades rurais, ignorados e anônimos.

"Como você acha que Brasília foi construída?" disse José Paulino da Costa, diretor do Sindicato dos Soldados da Borracha e Aposentados do Acre. "Os Estados Unidos pagaram ao Brasil, mas o dinheiro foi para outros projetos em vez dos soldados da borracha, o que foi uma injustiça terrível."

Mas em 1988 o Brasil aprovou uma nova Constituição com um artigo que pedia que os soldados da borracha recebessem uma pensão no valor do dobro do salário mínimo, ou R$ 700 atualmente. Mas muitos dos que serviram se viram impossibilitados de receber pois não podiam apresentar os documentos necessários. Seus contratos originais foram perdidos, destruídos pela chuva ou entregues aos chefes dos seringais e nunca devolvidos.

Aqueles que conseguiram comprovar recebem uma pensão que mal chega a um décimo do valor pago aos soldados brasileiros que lutaram na Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Em 2002, um membro do Congresso pelo Estado do Amazonas apresentou um projeto de lei para que os soldados da borracha, "que estão vivendo na miséria", recebessem o mesmo valor, mas o projeto continua parado em um comissão.

"Quando eu assisto as cerimônias do Dia da Independência na televisão, e vejo os soldados que lutaram na Europa desfilando em seus uniformes, eu sinto tristeza e desânimo", disse Lupércio. "Nós também fomos combatentes. Todos nos devem um grande favor, inclusive os americanos, porque aquela guerra não poderia ter sido vencida sem a borracha e sem nós, os soldados da borracha."

A tradução é de George El Khouri Andolfato, do UOL.

SEM HORÁRIO DE 1º MUNDO

O fuso horário, única coisa de primeiro mundo no Acre, pode estar com os dias contados. O senador Tião Viana (PT) quer reduzir de duas para uma hora a diferença do fuso horário do Acre em relação a Brasília. Durante o horário brasileiro de verão a diferença é de três horas.

Tião Viana está propondo um Projeto de Decreto Lei que convoca a realização de plebiscito sobre a mudança de fuso horário nos Estados do Acre e do Amazonas, além de um Projeto de Lei do Senado para mudar o fuso horário nos dois Estados - do fuso Greenwich ‘menos cinco horas’ para o fuso Greenwich ‘menos quatro horas’.

- A redução permanente de uma hora no fuso horário permitirá nessa parte mais ocidental do Brasil uma maior integração com o sistema financeiro do resto do país, facilitará as comunicações e o transporte aéreo e resultará numa participação mais efetiva na vida econômica, política e cultural dos centros mais desenvolvidos - argumenta o senador.

Leia mais no jornal Página 20 ou, neste blog, o artigo "Os prejuízo do 4º fuso", do deputado Moisés Diniz.

BARRA DOS BUGRES

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava inspirado anteontem, durante a inauguração da unidade de biodiesel da usina Barralcool, em Barra do Bugres (MT), quando foi guiado pelo governador aliado Blairo Maggi.

Após ter afirmado que "não tem nenhum sistema financeiro mais perfeito do que o nosso", listou como entraves ao desenvolvimento do país os ambientalistas, as licenças ambientais, os índios, os quilombolas e o Ministério Público.


Imitando Jorge Viana, disse que "na verdade a gente nem deveria utilizar a palavra governar, porque a palavra correta deveria ser cuidar".

Na verdade a imprensa poupa Lula. Até onde vai o nosso presidente? O pronunciamento em Barra do Bugres, sob a influência de Blairo Maggi, foi muito infeliz. Em sentido figurado, bugres são aqueles indivíduos rudes, primários, incivilizados.

Quem duvidar deve
clicar aqui para ler integralmente os discursos de Lula, disponíveis no site do Planalto. Seguem trechos do discurso de nosso inspirado presidente:

"Eu estou me dedicando, neste mês de novembro e neste mês de dezembro, para ver se eu pego todos os entraves que eu tenho com o meio ambiente, todos os entraves com o Ministério Público, todos os entraves com a questão dos quilombolas, com a questão dos índios brasileiros, todos os entraves que a gente tem no Tribunal de Contas, para tentar preparar um pacote, chamar o Congresso Nacional e falar: “Olha, gente, isso aqui não é um problema do presidente da República, não. Isso aqui é um problema do País”.

"Na hora em que o Brasil estiver em jogo, como é que a gente vai construir as termelétricas? A gente vai produzir energia do quê, neste País? Porque as pessoas não querem que a gente use carvão, as pessoas não querem que a gente faça termelétrica, as pessoas não querem usina nuclear, e não têm dimensão do preço da eólica, do custo da termelétrica a óleo diesel.

"Então, o que nós precisamos, e aí eu quero defender a nossa querida companheira Marina, porque a Marina tem uma coisa que é o seguinte, ela fala: eu não estou aqui para proibir fazer, eu estou aqui para tentar discutir como fazer melhor, sem prejudicar o meio ambiente. Acontece que a legislação aprovada por nós – e eu já fui deputado – a gente coloca um item lá que se o cidadão do Ibama der uma licença prévia e tiver um problema de acusação contra ele, os bens dele são indisponibilizados. Então, ele tem mais é que cuidar de dizer: “Eu não vou liberar. E se eu for preso, quem vai pagar advogado para mim?”. Porque é assim, a gente faz as coisas desconfiando um do outro".

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

O DOIDÃO DE XAPURI

Uma banda tocava para a multidão no centro de Xapuri quando o prefeito Wanderley Viana subiu ao palco e tomou o microfone das mãos do vocalista.

- De onde vocês são?

- Somos de Sena Madureira.

- Sena é uma cidade boa. Xapuri também. O problema é que aqui só temos gays.

O prefeito disse isso porque Xapuri é conhecida pejorativamente pelos acreanos como a terra da caxinguba - aquela figueira nativa da Amazônia, cujos frutos são muito apreciados pelos veados.

Há dez dias, Viana derrubou todas as árvores da praça da cidade, interrompeu a Estrada da Borracha, que dá acesso a Xapuri, a partir da BR-317, e ergueu um portal no qual ameaçava colocar um par de chifres imenso, porque em Xapuri só teria cornos.

O prefeito drogadito já chegou a agredir fisicamente o governador eleito do Acre, Binho Marques. Ficou famoso no país por causa da reportagem "Traficante, invasor e, agora, prefeito", do jornal O Estado de S. Paulo, que fez um perfil do ex-cunhado de Darly, o fazendeiro condenado pelo assassinato de Chico Mendes.

ACREANOS DO RIO

Caro Visconde dos Buritizais,

o encontro de ontem foi muito bom e proveitoso, para discutirmos a possibilidade do show de musica "João Donato e Sergio Souto", aqui
no Rio, no fim deste ano.

O evento será uma homenagem à novelista Glória Perez, que está escrevendo a minissérie "Amazônia - De Galvez a Chico Mendes". A Casa do Acre e o governo do Estado, serão parceiros.

A produção e a direção será do Lysias Ênio, o letrista irmão do Donato. Estamos agora apenas na dependência de um local de tradição para a realização do evento.

Um abraço

Sérgio Souto

Caro Sérgio, na foto consigo identificar apenas, lá no fundo, o César Garcia Lima, a Ivone Belém, o João Donato e você. Caso não seja da Ivone, peça ao Donato para nos enviar, após o show, o par de sandálias cor-de-rosa que ele exibe na foto.

DEPOIS DO VARADOURO

Hoje faz um mês que o Festival Varadouro acabou e aquele artigo Ducaralho gerou enorme polêmica por ousar alguma crítica ao ofício de nossos "roqueiros da cena independente".

Por sugestão do jornalista e ex-presidente da Fundação Cultural, Antonio Alves, os organizadores do festival se comprometeram em fazer uma prestação de contas da verba pública usada no evento.

Diogo Soares e Daniel Zen, dois dos organizadores do festival, chegaram a escrever ao blog prometendo abrir canais para avaliação e apresentação da tal prestação de contas.

- Quanto à prestação de contas, já falei nos comentários de outros posts que, assim que finalizada a pós-produção (pagamentos, acertos, etc.), não vejo problema em tornar isso público. Transparência, sempre. Abraços a todos, o debate está saudável e isso é muito bom - palavras do Daniel Zen no post escrito pelo Toinho.

Zen havia prometido fazer a prestação de contas durante a semana seguinte ao festival. A quem encontrar o pessoal do Festival Varadouro, peço a gentileza de retransmitir a minha lembrança.

Em tempo: na semana passada, o Tribunal Regional Eleitoral enviou aos veículos de comunicação do Acre dois releases com informações de caráter público a respeito do último pleito. Hoje cedo, o mensageiro de um deles amanheceu na porta do tribunal com uma fatura em mãos. Queria acertar o pagamento pela divulgação.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

A GAZETA SOB ATAQUES

O site do jornal A Gazeta voltou a ser invadido e, a partir da home, permanece inacessível na web para seus assinantes. Os invasores alteraram o texto de uma reportagem que tratava da primeira invasão, ocorrida na semana passada. Eles deixaram a seguinte mensagem:

- O site deste veículo de comunicação não foi invadido por hackers na última terça-feira. Apenas recebeu visita de pessoas que entendem bem de informática e que querem mostrar como é falho o sistema de proteção deste site.

Os invasores, que se declararam "não-piratas" da internet, disseram que tiveram acesso ao banco de dados do jornal, mas que não alteraram informação, modificando apenas para o inglês as manchetes.

Embora no primeiro ataque tenham chamado os colunistas sociais acreanos de "aboiolados", na última invasão negaram que tenham usado termos e expressões ofensivas às fontes e leitores. E acrescentaram:

- Foram encontradas fotos e arquivos pornográficos dentro de pastas de funcionários conceituados desta empresa.

Na semana passada, o diretor Sílvio Martinello solicitou ajuda à Polícia Federal na tentativa de identificar os invasores.

- Polícia Federal precisa, urgentemente, identificar o hacker ou hackers que andam invadindo os sites dos jornais e blogs. Atitudes como esta é o que se chama de "espírito de porco", além de criminosas, e não tem nenhuma graça - escreveu Martinello.

Quando o site foi restabelecido, a editora Marcela Barrozo afirmou que o jornal estava tomando providências para reforçar a segurança e evitar novas invasões.


Após invadir o site da Gazeta pela segunda vez os "não piratas" deixaram uma mesagem provocante:

- Caso precisarem (sic) de ajuda para reforçar este ou qualquer outro site desta empresa, vamos continuar nos comunicando pelo site, pois a porta de entrada continua aberta.

Assinantes podem clicar aqui para ler a reportagem adulterada pelos "não piratas".

TEÚDA E MANTEÚDA

"Hoje, verdadeiramente, eu só pertenço a mim
e aos retratos de minhas paredes"

(Keilah Diniz)


Leila Jalul


Serenou, serenou, mas era incêndio. Festa na cidade. O Rio Branco Football Clube iria abrir suas portas e receber a nata da sociedade. Festa de gala. Não havia boutiques da Nonata Asfury, nem Detalhes Modas, e, muito menos, sapatos da Arezzo.


Somente a Genésia, irmã do Alencar, e outras costureiras, aprontavam, às pressas, os vestidos drapeados e rebordados com miçangas, vitrilhos e paetês. Tudo com o brilho dos gripirs (aportuguesei), dos tafetás e das sedas puras.

A roupa dos machos, inovadas a cada século, eram sempre as mesmas. Ternos cinzas, marinhos e pretos, cheirando a naftalina. Isso não tem a menor das importâncias. Valia, valia mesmo, era o desfile pelo carpete imaginário e vermelho, estendido sem dobras desde o portão principal até a borda do salão.

Era um ritual insultuoso para o povo do sereno. Insultuoso para quem quer que fosse que, por ironia, não possuia um único tostão para se aprontar para o evento.

Só sei falar de mim e das dificuldades que enfrentei para marcar presença no sereno. Tinha que estar lá fugida, quase sempre fugida, como costumo agir - herói é quem foge para não levar nos costados a última bala. Eu fugia e deixava um cobertor fazendo cara de corpo e mamãe nunca soube disso.

- Leila Maria?

- Presente!

O sereno era uma instituição. Sociedade alternativa dos excluídos. Verdadeira agremiação dos sem-clube! Acredite quem quiser, não foram poucas às vezes em que, numericamente falando, o sereno ganhava em termos de audiência do clube.

Valeu! Na condição de otimista, valeu. O sereno me propiciou momentos inesquecíveis. Metais em Brasa, Festa das Flores, Românticos de Sevilha (ou era Orquestra de Sevilha?), vinda e formada diretamente do e no interior de São Paulo.

Valeu tanto que inda lembro do som dos pistons dilacerando minha alma. E era aí quando eu entrava em estado de gôzo pleno!

Granada, tierra sonãda por mi.......
....................................
....................................
Granada, tus tierras están llenas de lindas mujeres,
de sangre y de sol................ Olé!

Gente, era êxtase puro. As minhas partes da frente batiam palma e, as de trás, pediam bis. Ocorre que, o que de melhor acontecia, não estava na observação dos justos modelitos, nem se perdiam nas saias esvoaçantes. Não ofuscavam os olhos de quem admirava o brilho das fantasias da Jamana, mãe do Bode, o Carlos Alberto Sakur.

O sereno estava muito além dos comentários sobre o glamour ou sobre a falta absoluta dele. Quem estivesse no afã de se atualizar sobre os últimos acontecimentos que rolavam nos bastidores do poder, nas alcovas dos casais ou nas relações proibidas (o Acre já teve castas) das meninas, bastava aparecer no sereno.

Passava um fulano, passava outro, e dizia um querido e inesquecível amigo, cujo nome omito por estar fora de alcance do mundo dos vivos:

- Esse é corno. Depois eu conto.

- Esse é ladrão! Depois eu conto!

Língua de serpente. Boca maldita.

Chegava a vez das meninas. O língua de serpente nunca foi muito achegado. Esse negócio de mulher é mesmo complicado. Tem quem goste! Tem quem odeie!

Passava a primeira, a segunda, a terceira e lá vinha a afiada língua de navalha:

- Tomara Deus que a diretoria desse clube nunca coloque um camburão com água na entrada desse clube. Tomara!

- Aquela ali, aquela lá, aquela dali, todas são "furadas". Nenhuma passará no teste do glub, glub (*).

O chão da Avenida Getúlio Vargas ficava esverdeado. Veneno destilado, hora de ir para o beco, onde o língua de serpente morava.

O sereno também era cultura. Foi por lá que ouvi pela primeira vez duas expressões que, aos meus ouvidos, soaram como um acorde de oboé e flauta: Teúda e manteúda. Teúda e manteúda, teúda e manteúda! Teúda e manteúda! Coisa mais linda!

Sereno era fonte de inspiração e de remorsos. Quando soube do verdadeiro significado das expressões - teúda e manteúda -, não contei conversa. Fui direto para a igreja, e, no primeiro confessionário, ajoelhei e falei:

- Padre, estou aqui porque pequei.

- Huuummmmm....

- Eu sou teúda e manteúda!

- O que?

Silêncio constragedor.

- Não posso dizer. Nem devo - respondi.

Padre, agora posso. Passados mais de quarenta e tantos anos, agora posso confessar: meu amante e mantenedor era São José. Era dos seus santos pés de onde eu retirava pequenas somas, a título de empréstimos. Que Deus me perdoe. Já paguei tudo e não devo mais nada. Ou fazia assim ou nunca atravessaria os limites do sereno.

Por penitência, com muito aprendizado, não recebo, não recebi e jamais receberei de nenhum homem, nada, nada, de nenhum, nenhum, mesmo, além de flores, nada, nada, nada!

Serenei, serenei.

Leila Jalul é poeta e cronista acreana. Comentário da Glória Perez: "Altino querido, eu lembro do sereno! Menina, antes de poder frequentar os bailes -coisa que só se permitia depois dos 15 anos-, era um programão o sereno dos bailes do Rio Branco Futebol Clube. A orquestra era a do Maestro Neves, a mesma que, aos domingos, animava a retreta. E tome boleros! Ali, do sereno, ouvia-se sobre a vida de todo mundo! O comportamento, as toilettes... Se um par colava o rosto, era um oh! e as especulaçoes começavam! Só a Leila mesmo pra fazer a gente reviver essas coisas! Grande Leila! Beijo pros dois".