sexta-feira, 24 de novembro de 2006

O BOI E A HIERARQUIA

Leila Jalul

Ao digitar este texto, a Adélia Prado, com toda a sua mineirice, entremeada com uma talhada de goianidade, dava uma entrevista ao Globo News e dizia que, quando escreve, sente os defuntos ao seu redor.

Comigo está acontecendo a mesma coisa. Meu quarto está empestado de espíritos de porcos dizendo: fala de mim. E eu? Peraí, eu sou mais eu. Uns me cutucam, outros apagam o que está digitado, e, pior, outros interferem nas ondas do meu provedor.

É tudo gente tinhosa. Eu, como um cavalo obediente, vou procurando atender a todos, na medida de suas necessidades. Vocês não acreditam? Agora mesmo, neste exato minuto, eles afastaram o texto para o lado esquerdo e fiquei sem entender nada.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. Para sempre seja louvado. Eu só queria contar que visitei, no dia do velório do Joaquim Macedo, pela vez primeira, o Mercado Velho revitalizado pelo menino Jorge Viana!

Coisa linda. Estávamos eu, minha comadre Jorgete e sua comadre Val. Tudo comadre. Aliás, no Acre de antanhos, quem não era irmão, era primo. Os outros eram compadres e comadres. Uma máfia do caralho. Tutti buona genti.

Mas eu preciso falar do boi. No boi daquele tempo. Tem nada a ver com o de Parintins. No tempo quando açougueiro era apelidado de magarefe. No tempo das cestas de vime, da fila ou cobrinha.

E foi assim, de sopetão, quando entrei no mercado revitalizado, que senti o choque elétrico na vertebral. Lá se faziam presentes duas almas de dois magarefes. Virei para a esquerda e falei: ali era o açougue do Zé Mourão. E do Raimundo.

Incorporei. Pensem, na cidade de Rio Branco, para alimentar uma população inteira, se sacrificava apenas e unicamente um pobre boi. Magro, quase sempre magro.

Agora vamos à divisão: o filé, pro governador. Contrafilé, pro prefeito. A alcatra pro bispo e pra irmandade, que se alimentava muito bem, diga-se de passagem. A chã-de-dentro do juiz. Já estava velho, coitado.

A chã-de-fora pro provedor da maternidade. Provedor da maternidade era tanto quanto ou mais autoridade e autoritário que o governador. É mole, ou quer mais?

As costelas e os músculos para o Hospital das Clínicas. E o cupim? Pronde foi? Foi pro dono do boi.

Ali, naquele aglomerado, estava eu. Cesta na mão, dinheiro na outra. Fazendo uma ginástica do tcham para me esgueirar das pimbas duras e aproveitadoras, que insistiam em se esfregar em mim.

Deus que proteja e que tenha em Sua Santa e Eterna Glória o meu grande protetor e amigo Boaventura dos Santos Moreira. E dê saúde e felicidade ao Seu Aureliano dos Santos Barreto, pai de minha amiga Judite.

Eles me defendiam. E faziam de tudo para que, ao final do embate, entrasse na minha pequena cesta um palmo de pescoço, com carótida e tudo. E mais: dois quilos de ossos que viravam a sopinha da irmã Zarur.

Hoje, perdeu a graça. Já não sinto mais o sabor da carne de pescoço.

Agora engulo cobra.

Leila Jalul é cronista, poeta e colaboradora do blog.

12 comentários:

Anônimo disse...

Uma sopinha cai bem, dependendo das circustâncias, é até melhor do que os "nobres" cortes de carne. Bem, Adélia Prado é minha vizinha. Ela é de Divinópolis, cidade que dista 100 km de Lagoa da Prata, meu torrão natal, terra que abandonei para abraçar este Norte querido. Uma das maiores emoções da minha vida foi assistir, em Divinópolis, num acanhado teatro, Fernanda Montenegro interpretar "Dona Doida", baseada na obra de Adélia. O teatro inteiro chorou, nunca vi nem verei coisa igual na vida. Isso foi há mais de 20 anos. Bateu uma baita saudade das minas gerais agora...

Anônimo disse...

Altino,
Pense. Hoje pela manhã, Mag é testemunha, estava lendo uma mensagem de e-mail do Tales Faria e, de repente, mais da metade do texto sumiu. Ficaram duas frases apenas. Perdi meu laptop, quer dizer... meu anel de cristal rutilado soltou a pedra longe e, apavorada, liguei pra Liane, quem mais? Nossa astróloga predileta avisou: mercúrio retrógrado no céu. Começou no dia da queda do avião da gol. E avisou que ía dar uma olhada no meu mapa pessoal pra ver onde andava o tal. Mas adiantou: atenção na comunicação, cuide das portas e janelas (casa, carro etc) E outras que agora não me lembro. Adorei a divisão do boi. E ainda tinha as canelas pra geleia, tripa pro chouriço, rim, coração, lingua... Naquele tempo a gente queimava o chifre no quintal pra espantar as cobras. Hoje ninguem queima chifre mais, e, por isso, sobra cobra pra Leila engolir... beijos. Mara.

Anônimo disse...

Mara, a gente brinca prá melhor passar, mas é serio! O sistema está horrível! Hoje, dia 24, ainda me estão retornando alguns e-mails do dia 20. Eu penso que enviei errado, que sou obtusa, mas não é nada disso.
Agora vem vc e me esclarece que este Mercúrio é quem estã nos sacaneando! Ele que tome cuidado.... já acabaram com Plutão! rs
Quem te disse que não queimei chifres?
São outras cobras, amiga! São outras.... rs outras....

Anônimo disse...

Altino, a concorrência tá ficando pesada, já não tô sabendo o que é mais legal no seu blog, se seus textos ou as crônicas da Leila Jalul sobre a Rio Branco antiga...

Anônimo disse...

Caro Jean, aqui é tudo modestamente melhor do que qualquer coisa da nossa imprensinha de faz-de-conta. Leila é cobra fina. Abraço

Anônimo disse...

Era assim também aqui ,no segundo distrito, no mercadinho conhecido como o Priquito da Madame,por ser em forma de um triângulo.Lá em Taraucá, no tempo do meu avó,houve quase uma guerra civil por conta da divisão do boi.Vovó era magarefe,tinha o apelido de gavião e seu sócio de carcará ,porque juntos estraçalhavam o objeto de desejo de todos,o boi.Silene

Anônimo disse...

Leila,
Onde está escrito avó,leia-se avô.A vó ajudava também. Conta a lenda,que o casammento dos dois se deu por conta de um quarto de boi que despencava dos ganchos, e vovó foi quem evitou a queda.Vovô em tom de brincadeira disse:"É duma mulher assim que eu preciso".No dia seguinte vovó,que era viúva e já tinha dois filhos prá criar, chegou no mercado e decidiu a parada com a seguinte frase: "Seu Domingos,o que o senhor falou ontem é sério? Se for, estou aqui para casarmos ,tenho dois fihos, sou uma mulher séria. Agora, se o senhor estiver brincando, quero lhe disser que não gosto de brincadeiras." Vovô não teve saída. Casaram-se e criaram muitos fihos e bois.

Anônimo disse...

A corrida pelo computador aqui é tamanha que terminou saindo errado o nome de vovô e o verbo dizer. vovô era Domingo,sem plural.Um Abraço.

Anônimo disse...

Altino,Com sua Licença e das autoras,

estou encaminhando essas histórias do boi pro Walter Carvalho. Desde que fez a direção de fotografia do filme Amarelo Manga ele tem uma fixação com história de bois. Acho que essas, ele vai gostar muitíssimo. Quem sabe... Beijo. Mara.

Anônimo disse...

Leilah, leio e surgem as imegens e penso que opanhado de suas crônicas daria um espetáculo teatral muito divertido. Os palcos acreanos estão precisando resgatar momentos mágicos e engraçados como o que vc viveu e divide conosco. Bom, to em processo de retorno ao Acre. A saudade me leva de volta e a minha musa eh da floresta. Eh soh o processo tramitar e logo to aih de novo para movimentar que não sou de ficar parada atoalda em burocracia. Parabens.

Anônimo disse...

Meu Deus, digitei muito mal. Bom, deu para entender? Altino, posso enviar outro para vc substituir.Vc tb continua de parabens pelo seu espaço.

Anônimo disse...

Leila tu que sempre foste magra, e sem muita carne no glúteo passava aquele sufoco, então imagina a Dona Jamana, naquela mesma fila, depois te conto como foi. Beijos