sexta-feira, 27 de outubro de 2006

VOU AO MUNDOS DOS YUXIN

No Jordão, o português é língua pra conversar com cachorros

Txai Terri Vale de Aquino

Ao antropólogo Alexandre Goulart, grande comedor de gente: já que você me provocou pra entrar nessa conversa de "gente grande", vou falar que nem um menino buchudo de Tarauacá. Penso que o espaço do Papo de Índio, essa tribuna da plebe independente acreana, tem sempre aberto espaço para os índios, seringueiros, camponeses da floresta se manifestarem, opinarem, contarem suas histórias de vida, mitos e rituais, apresentarem suas denúncias e reivindicações por terras indígenas e reservas extrativistas etc e tal.


Junto com o parceiro Marcelo Iglesias e de antropólogos como a Mariana Pantoja, da UFAC, e o seu Mauro (Almeida), como falam os seringueiros do Alto Juruá, além de outros colegas que andam por aldeias, antigos seringais e matas densas e abertas acreanas, já escrevemos mais de 300 papos sobre esse assunto, desde os tempos do antigo Varadouro, o jornal das selvas. Não confundir agora com o nome do festival do "rock n´errou". Gostaria muito de selecionar "Cem Papos" pra uma publicação doméstica, uma espécie de homenagem ao "Acre é Cem".

Muitos desses papos, pelo menos os poucos de minha autoria, foram escritos para ajudar os meus parentes Kaxinawá do rio Jordão, que lutavam pela demarcação de suas terras, no longíquo município do mesmo nome, aquele sim, o verdadeiro "início do mundo", onde o português é língua pra se conversar com cachorros, literalmente. O Papo de Índio, que é um espaço democrático e plural, é pura florestania. Que tal a SEPI editar esse livrinho dos "Cem Papos"? Quer outra sugestão? Que tal publicar a tese de doutorado do Mauro Almeida, "Seringueiros do Alto Juruá: a Construção de um campesinato florestal", defendida com louvor na Universidade de Cambridge/Inglaterra? Taí um excelente livro de um grande intelectual da Unicamp, um "acreano do pé rachado", como se diz por aqui, e que ama verdadeiramente essa terra, sobretudo os "camponeses da floresta" do Alto Juruá. Agora com o Binho Marques vamos ter mais possibilidade de valorizar a cultura, a educação e os autores locais, sem a necessidade de construir grandes obras de infraestrutura que foram tão necessárias ao estado no governo Jorge Viana. No mais, graças ao nosso pequeno-grande Raimundo Angelim, Rio Branco está deixando de ser apenas um "purgatório" para se chegar ao "paraíso" de suas grandes florestas, banhadas por muitos lindos rios.

Como gosto de navegar de batelão no rumo dos altos rios de nossas fronteiras! Só pra não envelhecer depressa, manter o espírito sempre alerta, sonhar nas noites frias de luas e estrelas enormes e saciar meu espírito que se encarnou sobre as águas. Viajar demoradamente por suas aldeias e reservas, sem pressa de voltar pra casa que nunca tive, a não ser quando adotado por um amor passageiro e intenso, que, no meu caso, sempre deu frutos bem concretos, meus muitos filhos. De tanto andar por aldeias e seringais me sinto um pouco estrangeiro na minha própria terra. Tem gente que diz, com toda razão, que pareço mais um ET quando ando, raras vezes, por bares, festas e festivais de rock de Rio Branco. Olho pra essa terra com um olhar de estranhamento e sempre vejo vultos coloridos, pintados de urucum e jenipapo, me dizendo que sou ainda uma criança, porque ainda não aprendi a falar suas línguas verdadeiras de seres humanos de verdade.

Com essas palavras ao vento, paro por aqui, desejando que o Blog do Altino tenha longa vida! E que os petistas locais não se metam à besta de cobrarem a mesma catilinária: "Então, Altino, você tá do nosso lado, que lhe pagamos um bom salário ("pequeno", digo eu), ou contra a gente?"

Logo depois das eleições estou indo novamente às aldeias Yawanawá do rio Gregório aprender um pouco sobre o xamanismo desse povo das queixadas. Tomara que a Magaly e o Edegard de Deus, meus chefes na Secretaira de Meio Ambiente, me ajudem nessa nova empreitada. Os pajés yawanawá sempre me perguntam: "Por que será, Txai, que os brancos gostam mais de conhecer as coisas visíveis e materiais do nosso povo do que a nossa espiritualidade invisível sem o cipó e outras plantas de poder da floresta? Quem não entra no mundo dos "yuxin"(os espíritos da floresta) nunca vai entender realmente quem são os índios e as nossas culturas". Quem não gostou da história deste menino amarelo, que conte outro papo. No meu caso, canto que nem a dona Maria Damião, uma mulher acreana de valor, que não sabia ler nem escrever, mas que recebia sempre belos hinos ao lado de Juramidã: "Eu sou pequenininho/ Mas trago os meus ensinos/ Eu canto é bem baixinho/ Em roda dos meninos".

O antropólogo Txai Terri Vale de Aquino escreveu em resposta ao comentário do antropólogo Alexandre Goulart, no post Acre na Rolling Stone.

8 comentários:

Anônimo disse...

Legal o artigo do Terri,
Estas leituras da realidade e do clima social, político e cultural do Acre sempre discutidas neste blog são de fato uma demostração de que o Acre é uma incubadora de novas idéias e novas práxis, uma esperança para o futuro incerto da Amazônia – claro que o romantismo ainda é muito evidente.

Anônimo disse...

Salve Altino. Cheguei ao seu blog através de um link no Overmundo - se não me engano - e achei o blog o máximo. Sou filho de uma acreana e já visitei rio branco algumas vezes. Também sou jornalista, mas trabalho em Niterói-RJ. Já adicionei seu blog no meu reader e gostaria muito de poder trocar idéia contigo com mais calma. estarei em rio branco em jan/fev de 2007...

Anônimo disse...

Olá Altino! Muito bacana seu blog. Prepare-se que o Acre vai ficar na moda... te escrevi um e-mail. abs.

Anônimo disse...

Salve, Terri!!! E que as lindas florestas e seus povos continuem a existir!!!

Anônimo disse...

Prezados Txai Terri e Altino:

É forçoso, em primeiro lugar, repor a verdade: o grande "comedor de gente" é o Txai. Prova disso é sua condição de "adotado por um amor passageiro (NR: eu diria pereneS) e intenso, que, no meu caso, sempre deu frutos bem concretos"...

Txai, vou anotar tua proposta sobre a coletânea dos "Papos de Índio" - que achei muito bacana e merecedora de registro à altura deste "front" contra-hegemônico das forças indígenas e serngueiras.

E quero reforçar aquela pedida de realizarmos um projetinho que coloque os Txais da floresta, grandes pajés, caciques e cantadores - como seo Agostinho "Muru" Manduca Mateus, seo Milton, seo Antônio de Paula entre tantos outros - como protagonistas do registro histórico de seus enciclopédicos conhecimentos. Assim, você alia seu "navegar de batelão no rumo dos altos rios de nossas fronteiras" com a importante missão de dar (mais) voz aos moradores das cabeceiras deste Acre profundo...que você tão bem conhece.

Outro dia vi o Txai Terri atravessado a rua aqui na Avenida Ceará...com sua tiara huni kuin na caneça, sua capanga de kenês, calça jeans e jeito rebelde de ser...Parecia levitar sobre as faixas de pedestres, condensando em 1 pessoa só os 4 beatles naquela célebre capa (Abbey Road)...E, levitando, levava junto, idéias e sentimentos qe estão muito agarrados a esta terra firme. Enquanto o Txai caminhava por entre "vultos coloridos, pintados de urucum e jenipapo", num trânsito entre yuxin e yuxibu que só grandes Txais podem fazer...o mundo pareceu fazer sentido. Depois o sinal de trânsito se abriu, os carros voltaram a andar em polvorosa, e o mundo pareceu retornar novamente ao seu desencanto habitual.

Salve, salve Txais da floresta. Salve, salve Txai Terri.

Alexandre Goulart de Andrade

Anônimo disse...

queria saber cade os nossos decendentes

Anônimo disse...

Faz tempo que não escrevo projetos, coisa que fiz muito de meados da década de 70 ao início doa anos 90. Era o tempo dos projetos de cooperativas de borracha, que ajudavam os índios a se mobilizar políticamente pelo reconhecimento oficial de suas terras. Mais do que demarcá-las fisicamente, queriam demarcá-las socialmente, ou seja, retirar todos os patrões e seringueiros cariús de suas terras. Desde 1994, estou mais envolvido nos processos de regularização de novas terras indígenas no estado, seja elaborando relatórios de identificação e delimitação de várias dessas terras indígenas, seja ajudando em campo outros colegas antropólogos, que coordenam grupos técnicos da Funai com essa mesma finalidade, mas não conheciam os índios dessa terra.
Desde 2004, quando retornei novamente ao Acre depois de sete anos trabalhando na Funai e no Ministério do Meio Ambiente (escrevendo o relatório de criação da Resex Riozinho da Liberdade), venho participando também de muitas "oficinas de etnomapeamento (CPI-Acre) e etnozoneamento (SEMA/AC)" em terras indígenas no estado, situadas tanto na fronteira internacional com o Peru, quanto daquelas situadas nas proximidades da fronteira com o estado do Amazonas, impactadas pelas pavimentações das BRs 364 e 317.
Apesar de estar à margem desse novo "mercado de projetos" com índios e extrativistas, acho que a maioria deles não recompensa os velhos indígenas e ex-seringueiros envolvidos no processo de resgatar seus "tempo da memória" na floresta. "Esquecem" de recompensá-los financeiramente pelo importante trabalho que realizam enquanto pesquisadores da floresta para os "donos" dos projetos.
Eu não teria coragem, por exemplo, de convidar o meu velho amigo Raimundo Luis Yawanawá, para falar horas e horas sobre a sabedoria dele e de seu povo sobre a biodiversidade de suas florestas e de aspectos importantes de sua cultura e organização social, sem lhe oferecer ao menos uma bolsa de pesquisador. Os velhos índios não querem ser mais apenas informantes de pesquisadores e antropólogos brancos. Querem ser parceiros intelectuais e querem receber pelas pesquisas que eles também participam juntos aos seus povos e suas terras.
Então, Alexandre, pergunte mais sobre isso ao Joaquim Tashkã, que ele, como um bom poliglota que é, vai lhe ensinar melhor do que eu como é essa história toda. Você pode conversar com ele em língua Yawanawá, ou se preferir, em português, ou inglês, que ele também fala muito bem, com sotaque oriental de Chinatown da Califórnia. (Txai Terri)

Anônimo disse...

Caro Txai Terri
Fantastico papo de indio,revelando clareza,valores e
sentimento de missao com a floresta,seus povos,sua
cultura e nosso Acre querido. A amizade construida
nos bancos do saudoso colegio Acreano,continuada
no Rio de Janeiro nas inesqueciveis peladas dos nossos co-irmaos no final dos anos 60,gracas a Deus,ainda perseveram em nossas retinas.
Que os povos da florenta o ilumine hoje e sempre.
Do amigo chico souto