terça-feira, 25 de julho de 2006

ALEGRIA DOS AVÁ-CANOEIRO



Mara Moreira

Altino,

Cheguei, depois de um estirão de 2.050 quilômetros, em dois dias, até a Ilha do Bananal, no Tocantins, onde vive um dos grupos sobreviventes da nação Avá-Canoeiro. Foi uma viagem tão boa que parece que fui só ali.

Você sabe: eu havia prometido a eles que iriam vê-lo quando o documentário ficasse pronto. A promessa aconteceu numa conversa no período das gravações.

Davi e Angélica me disseram que gostariam muito de ver o resultado do que fora gravado lá. Reclamou que quando participou de encontros, fora da aldeia, deu muitas entrevistas e nunca soube o que aconteceu a elas, como foram escritas, o que diziam. Essas coisas. Considerei que eles tinham toda razão, e combinamos.

Angélica não estava lá. Mudou-se com o marido, um índio karajá, para a aldeia Tiuri, do outro lado da Ilha. Tem uma filhinha de um mês, que recebeu o nome da Tatia, a tia-avó, xamã que faleceu em março desse ano, enquanto editávamos o documentário. Deixei lá uma cópia pra ela.

Fomos, Andiara Maria, roteirista e diretora-assistente, o produtor Rodrigo Santana e eu. Carregamos uma tralha. Caixas e mesa de som, amplificador, telão, projetor, um tanto de cabos, coisas. Uma expectativa deles e minha. Uma insegurança. Um medo. Uma alegria.

Assistir ao documentário junto com eles foi além do que consigo descrever. O Tutau, que enxerga pouco, e é o pai de Macaquira, se divertia cada vez que ouvia as conversas da Matxa e da Nakwatxa do grupo de Minaçu. Reconhecia as palavras, falava junto.

Quando ouvia a si próprio morria de rir. E repetia as histórias outra vez. E ouviu o canto xamântico da Tatia. Se emocionou. Foi um momento difícil para todos. E o Tutau querendo entender como funcionava aquilo tudo. As imagens, a voz dele e dos outros, como é que os de Minaçu estavam lá, falando... Ih! Você nem sabe.

A Macaquira, avó de sete netos, está grávida. Diego, (todos tem nomes indígenas, mas só dizem se a gente pergunta, nomes difíceis de gravar) o seu filho caçula, tem 12 anos. Ela diz: “Ah! Todo mundo grande. Fiquei querendo outro. Arrumei.” Simples assim.

Os irmãos, todos satisfeitos, já pensam em pegar no colo. Durante a exibição fiquei sentada ao lado dela. Ela me botou lá. E foi comentando tudo. Não se continha com as falas e as imagens da Angélica: “É minha filha. Minha filhinha, lá”. Mas ria na seqüência por algum outro motivo que lhe interessava. Assim como todos, aliás.

Dos mais jovens tive a grata surpresa de ouvir que aprenderam sobre a história do seu povo. Que agora os índios javaé, da aldeia onde foram colocados há quase trinta anos, quando foram capturados, iam respeitá-los mais. E outras observações assim.

Muita coisa mudou por lá. Menos a alegria, o riso fácil, a generosidade, a facilidade em arrumar o cabelo da gente, mexer em tudo, perguntar do restante da equipe (pelos apelidos que eles deram, claro). As brincadeiras, a gozação com todos nas dezenas de fotos feitas pelo Eraldo Peres, still do documentário, que levei para eles.

Uma travessia sossegada, à remo, no rio Javaé. Davi e Diego, afinal, são canoeiros. O céu de Lua Nova era só estrelas.

A jornalista goiana Mara Moreira, que mora em Brasília, é diretora do documentário "Avá-canoeiro - a teia do povo invisível". Ela será entrevistada no programa Charme, do SBT, no dia 1 de agosto, que começa às 17h30 (15h30 horário do Acre). O filme narra o drama da nação indígena ameaçada de extinção. Temido e respeitado por todos os outros povos indígenas no passado, o povo avá-canoeiro tem resistido a um dos massacres mais covardes e cruéis promovido pelo branco contra os nativos brasileiros. Clique aqui para saber mais a respeito do documentário.

4 comentários:

Anônimo disse...

oi,
acabei de descobrir o teu blog e tomei a liberdade de colocar 2 fotos que encontrei nele sobre as pajés brasileiras (coloquei os links da fonte). Traduzi também p/ o francês alguns ítens da reportagem. Obrigada.
Katia.

Anônimo disse...

Kátia, o blog sempre serve. Agora indica pra gente o link. Abraço.

Unknown disse...

Altino, meu nome é Airton, não tive a oportunidade, ainda, de assistir seu documetário sobre Tutau e sua família (A teia de um povo invisível)
Estive na ilha do bananal no final de1998 e 1999...Conheci Tutau, Makakíra e Hgadimi...Tivemos boasw interações...Gostaria de lhe enviar (caso lhe interesse)um relato sobre a interação que tive com Tutau em especial...Momento singular que ele me revela a história de sua família em especial de seu Pai Yapoty

ALTINO MACHADO disse...

Ok! Pode mandar. Grato