quarta-feira, 31 de maio de 2006

DELIBERADA CONTRADIÇÃO

Governo Lula faz opção por modelo que depreda a Amazônia

Mário Menezes

Dois eventos acontecidos em Brasília, nos dias 25 e 26 últimos, dão bem a medida das reais prioridades do Governo Lula para a Amazônia, e de seu compromisso com o desenvolvimento sustentável na região.


No dia 25, uma quinta-feira de grande movimentação política na capital, presidido pelo ministro da Fazenda e com grande pompa, aconteceu o anúncio do pacotaço, produzido em 30 dias pelo Planalto, para socorrer o agronegócio dos prejuízos provocados pela conjuntura macroeconômica a que a maioria dos demais setores também está submetida. O pacote também busca assegurar os recursos demandados por grandes obras na região, boa parte das quais sabida e reconhecidamente inviável do ponto de vista econômico e ambiental.

No dia 26, uma sexta-feira politicamente esvaziada, como são as sextas-feiras de Brasília, coordenada por dois representantes de segundo e terceiro escalões do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Integração, realizou-se, no período da tarde e em um auditório escondido da Esplanada dos Ministérios, reunião entre o governo e a sociedade civil para discussão de uma proposta de desenvolvimento para a região, fundamentada na sustentabilidade: o PAS-Plano Amazônia Sustentável.

As medidas anunciadas no primeiro evento, empacotadas a toque de caixa, terão sua execução assegurada pela liberação de nada menos de R$ 32 bilhões, sem nenhuma consulta à sociedade brasileira e à população regional atingida por essa iniciativa governamental. Já a proposta do plano de desenvolvimento regional sustentável colocada à discussão na reunião esvaziada de sexta-feira, a título de consulta participativa a ser estendida aos estados amazônicos, dormia nas prateleiras da Casa Civil, desde abril de 2004, e é desprovida de qualquer fonte que assegure os recursos que demandaria, bem como dos instrumentos de política para sua implementação.

Essa acachapante contradição, além de expor um estilo pouco ortodoxo de lidar com o interesse público e de destinar dinheiro idem, em um ano de eleição presidencial, evidencia o quanto é mal disfarçado o discurso ambientalista do governo, que se lixa para as conseqüências trágicas de medidas dessa natureza para a região. Enquanto segmentos da sociedade e parte do próprio governo, comprometidos com a sustentabilidade regional, estão mobilizados no esforço de reorientar o modelo de desenvolvimento a que a Amazônia está submetida, o Planalto se posta, radicalmente, na contramão dessa via, pavimentando (em alguns casos até literalmente) o caminho já trilhado pelo comboio da ocupação desordenada, que na região avança e se consolida como vetor da destruição.

Entretanto, com um pouco de vontade política, o governo Lula poderia estar se valendo da oportunidade única de coexistência dessas duas medidas, para fazer do plano de sustentabilidade regional a contrapartida ao generoso socorro que está prestando ao setor Agropecuário e ao agronegócio, em particular. Além da coerência política dessa postura, o governo estaria promovendo um salto de anos, talvez décadas, no processo de ordenamento regional almejado pela sociedade brasileira.

Mas, em compensação, agindo da forma incoerente como estão, Lula e o PT terão dois planos de desenvolvimento para a Amazônia, a serem apresentados à sociedade, na campanha eleitoral: um, forjado no hoje conhecido mundo real do governo e do partido, que faz o jogo e agrada em cheio setores de peso da economia depredadores do meio-ambiente na região, e outro, construído no castelo de fantasias edificado com a intenção de abrigar os anseios daqueles que, despudoradamente, foram usados como artilharia pelos ferrenhos opositores "ambientalistas" a governos de ontem, hoje no Poder.

Com essa deliberada contradição, perdemos todos, inclusive pelo mau exemplo de se fazer política de cunho imediatista, ainda que o preço desse imediatismo seja pôr em risco o futuro da Amazônia.

Mário Menezes é agrônomo e trabalha na Amazônia há 32 anos, 20 dos quais mais diretamente com a problemática sócio-ambiental da região, inclusive no Acre. Já trabalhou em ONGs como o Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais e, atualmente, é colaborador da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pois é, Altino. Sua decisão de publicar hoje o conto da Laís teve um quê de "profética"... Rio não está para peixe. Nosso povo precisa abdicar das funções secundárias... Por favor, cutuca a Glória Perez. Quem sabe ela levanta a questão em nível "global", hein? Aí, quem sabe, talvez, perhaps, maybe, per hazard, forze...