quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

DEIXEM A MATA EM PÉ

Por Padre Paolino Baldassari (*)


São Paulo, 9 de fevereiro de 2006

Exmo. e caríssimo Senador Tião Viana ,

Saudações cordiais.

Ano de eleição é ano de grande preocupação para mim que tenho cinqüenta anos de Acre e oitenta anos de idade. Neste tempo de disputa política, vejo os meus paroquianos a se dividirem até se odiarem e para mim, que conheço todo mundo e que vi a maioria nascer, os batizei, os casei e talvez batizei os filhos e os netos, para mim tempo de ano político, ano de eleição, se torna realmente um tormento porque vejo amigo contra amigo, vizinho contra vizinho.

Na propaganda política vejo cair numa amarga realidade o que era um santo dum verdadeiro programa das classes mais pobres.

Num clima tão estranho não posso esquecer o bom amigo que lutou com entusiasmo para a saúde da nossa gente. Deus conhece o íntimo da gente, é Ele que julga quando somos sinceros e transparentes e também humanos. Neste momento, que somos chamados a caminhar com muita prudência sobre as areias mutáveis da política, ainda quero acreditar numa luta honesta em favor da floresta.

Ainda temos um maravilhoso tapete de verde que nos protege e absorve as imensas nuvens de gás carbônico e de metano que usa para a própria vida vegetal e nos devolve toneladas e mais toneladas de oxigênio que serve para a nossa vida. Viajei para Santa Rosa do rio Purus e quanto me alegrava de admirar do alto com a vista aquele imenso tapete de verde não deturpada da ganância do fazendeiro e madeireiros que só visam o lucro fácil. Como me sentia feliz que ainda existisse tanta mata e com tanta mata tanta vida.

Estamos em tempo de chuvas. Os rios transbordam mas o tempo da estiagem se aproxima e o tempo das grandes secas e dos grandes fogos também se aproximam. Tenho medo que a gente esteja esquecendo a grande seca de 2005 e continue tranqüilo a derrubar mata e queimar pensando no grande negócio do gado e futuramente da soja, como estão fazendo no Mato Grosso e Rondônia, onde de fato ninguém respeita a lei.

Tenho medo que neste ano de política com fins eleitorais se dê licenças para derrubar a mata e ganhar votos como foi na outra eleição. Como seria bonito que se deixasse em pé a mata e se usasse da terra já degradada e empobrecida e com a tecnologia tão avançada a gente pudesse viver sem derrubar e queimar.

Em Santa Catarina, 50 anos atrás, onde fui dar aula, os colonos num hectare de terra colhiam 25 sacos de arroz e se consideravam felizes. Agora conseguem colher 180 sacas de arroz, isto é, nove toneladas que dá de comer a muita gente. Por que acontece isto? Porque se usou da tecnologia. Se gasta muito dinheiro em projetos que não dão em nada. Por que não se deve estudar seriamente o solo e fazer que possa produzir. Aqui no Acre não tem pedra, fazer estradas precisa um dinheiro imenso e manter os ramais é pior ainda. Pergunte-me por que não há ao longo do asfalto os agricultores e dar a eles verdadeira assistência em técnicas que saibam orientar e ter um verdadeiro progresso.

Sei que agora a maior preocupação é a eleição, mas na preocupação da eleição deve ter como finalidade primária a preservação da floresta amazônica. Esta preocupação deve ser a base de toda as preocupações. Acima de tudo é a vida. O progresso deve ser em favor da vida.

A destruição da floresta deve ser eliminada porque é a maior causa do fenômeno estufa. Precisamos de água e a grande seca do ano passado foi um sinal pra dizer não à devastação. As abundantes chuvas que vão de dezembro e abril são amparadas pelas grandes copas das árvores, que despejam depois, devagar, e vão alimentar as fontes hídricas que alimentam os igarapés e os rios. Além disto, a precipitação atmosférica que causa a chuva é provocada pela umidade da floresta, que protege dos raios do sol e que o contato com a corrente fria precipita em chuva.

A floresta é uma dinâmica distribuição da água, abundante fonte de vida, e um despejar abundante de oxigênio, fonte de vida. Portanto, a minha grande preocupação de fazer entender que se deve renunciar a um negócio lucrativo temporário, como é o gado e a soja, para um negócio eterno, que é a fonte da vida, como a água e o oxigênio.

Tenho oitenta anos e sempre lutei para o bem da vida. Sei que muitos não entendem isto, mas o bom amigo está por dentro de tudo isto e sabe que falo porque amo o nosso Brasil e o nosso Acre e, em modo especial, o grande e generoso pulmão da Terra que é a floresta amazônica.

Rezando sempre para o bom amigo e pedindo que Deus o ilumine na nobre missão de Senador, envio um grande abraço.

Nota: O padre Paolino Baldassari nasceu na Itália. Está no Brasil desde 1951. Em 1954, viveu e trabalhou em Boca do Acre (AM), Sena Madureira e Brasiléia (AC). Desde 1963 é vigário da Congregação Servos de Maria da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, em Sena Madureira. Ele costuma escrever com regularidade cartas ao senador Tião Viana (PT).

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Altino / Padre Paulino chegou ao Acre como pároco em Brasiléia. Eu acompanhava minha mãe numa novena na Igreja, quando ele chegou. Vestia uma batina negra, jovem, carregando uma caixa que depois descobri ser um órgão. Ficou em Brasiléia, acredito que por quase duas décadas. Quando chegou, a igreja estava apenas iniciada, quando saiu deixou-a concluida. Quando saiu de Brasiléia passou uma temporada em Boca do Acre, onde sofreu um acidente que quase lhe custou a vida, na construção de uma igreja. De lá foi para a região de Sena Madureira.