sábado, 17 de dezembro de 2005

AMANDO


O jornalista e escritor Sílvio Martinello, 57, diretor do jornal A Gazeta, lançou ontem o romance Amanda, quem diria, com a presença do governador Jorge Viana na fila para autógrafo. Há três anos, o reencontro de ambos era algo impensável após a amizade deles descambar para uma sequência de baixarias públicas.

Na semana passada, o jornalista Roberto Vaz, ex-sócio de Sílvio Martinello, revelou que também foram sócios do ex-governador Edmundo Pinto num "contrato de gaveta" que envolveu uma propina de U$ 600 mil de PC Farias. O dinheiro, segundo Vaz, foi usado para a compra, na Alemanha, de uma impressora do jornal que Pinto sonhava montar no Acre.

Aproveitei a noite de autógrafo para uma breve entrevista com Sílvio Martinello sobre literatura, jornalismo e política. Leia:

Quem é Amanda?
Me propus a abordar aquele período da década de 70, com a entrada da pecuária no Acre e a resistência dos seringueiros através dos primeiros sindicatos que foram fundados a partir de Brasiléia. Os sindicatos faziam uma dobradinha com as Comunidades Eclesiais de Base. Então, se a gente pegar a história, vamos constatar que foi D. Moacir Grechi quem convidou a Contag [Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura] para vir pro Acre. Acho que não dá para separar as comunidades dos sindicatos. É preciso lembrar que era época da ditadura e que várias vezes a Contag teve que se reunir na catedral. Amanda, no caso, é uma monitora das Comunidades Eclesiais de Base. Coloquei-a, também, para abordar a questão da Teologia da Libertação que estava surgindo naquele período e, de certo modo, a partir de 1980, a teologia começa a ser castrada e perseguida pela cúria romana, inclusive por aquele que viria ser o nosso atual Papa.

O jornalismo está perdendo um bom repórter para a literatura?
Não, não. Nos meus livros, embora eu use a ficção, estou fazendo jornalismo. No novo jornalismo é permitido fazer ficção em cima da história, inclusive para tornar a história mais agradável ao leitor.

E a imprensa? O Roberto Vaz, que foi seu sócio no jornal A Gazeta, afirma [clique em Jogadas do Poder para conferir] que vocês também foram sócios do governador Edmundo Pinto num contrato de gaveta que envolveu a compra de uma impressora, na Alemanha, por U$ 600 mil, que teria sido o valor da propina repassada pelo PC Farias, ex-tesoureiro de Fernando Collor, antes do ex-governador ser assassinado em São Paulo. O que aconteceu?
O que houve realmente foi a compra de uma máquina, mas não chegamos a fazer empresa. Era uma máquina totalmente inadequadada para a realidade do Acre. Não houve contrato e depois a máquina foi vendida. Ela nunca funcionou. Era uma máquina do Pinto.

Como foi autografar Amanda para o governador Jorge Viana? Vocês mantinham bom relacionamento, depois se tornaram adversários e reataram recentemente as relações.
Não nego que tive desentendimentos com vários políticos. Quanto ao governador Jorge Viana, acho que naquele momento eu e ele tínhamos as nossas razões. É natural que isso ocorra e com o tempo algumas coisas se desfazem. Ele reconhece, por exemplo, que naquele momento errou e fazia um governo arrogante. Também reconheço que o jornalista por si é um tanto arrogante. Acho que a história caminha e lá adiante a gente pode se reencontrar. Para mim existe um princípio muito claro: governo governa e eu faço jornalismo dentro de uma empresa que, às vezes, precisa fazer acordos para sobreviver. Mas nunca fiz acordos espúrios. Não tenho um processo. Não tenho nada. Sou um velho jornalista.

O seu jornal afirmava que o governador Jorge Viana censurava a imprensa. O que pensa hoje a respeito disso?
Eu não sinto censura. Escrevo o que quero. O jornal tem o seu editor e eu raramente interfiro nas pautas. Cada um faz sua linha. O que não admito é que outros jornais queiram impor a linha deles ao meu jornal.

Você foi, junto com o Elson Martins, fundador do extinto jornal Varadouro, cuja periodicidade era irregular, mas que, no começo dos anos 80, chegava a tiragens de até 7 mil exemplares. Por que hoje os quatro diários do Acre têm tiragem que variam de 600 a 180 exemplares?
Outro dia seu blog publicou números errados a respeito disso.

Foram números de uma pesquisa feita por estudantes de jornalismo sobre a quantidade de jornais que é distribuída nas bancas. Segundo a pesquisa, a Gazeta, que tem a maior tiragem, aos domingos chega às bancas com 600 exemplares. A pesquisa dos estudantes está errada?
A Gazeta tira, entre a venda em banca e a carteira de assinantes, 2,6 mil exemplares por dia.

Mesmo assim é uma tiragem insignificante para o maior jornal, não?
Sim, mas é preciso analisar. Ninguém pode ignorar que houve um impacto de outros veículos de comunicação sobre o jornal impresso, que está em profunda crise. Você deveria ter mencionado no blog o seguinte: a Folha, chegou a ter 650 mil leitores diários. Caiu para 300 mil. Isso não ocorre apenas no Brasil. O New York Time despediu 400 funcionários recentemente.

Mas você concorda que a qualidade da imprensa caiu?
Caiu, no Acre e no Brasil. Outro dia, li o Marcelo Beraba, ombudsman da Folha, fazendo essa reflexão. A imprensa perdeu grandes jornalistas, teve que demitir por causa da crise, aumento de custos, encolhimento da publicidade. Os jornais estão passando por uma crise de venda. Eu reconheço isso aqui no Acre. Você, como bom jornalista que é, não vai trabalhar por um piso, que é o que os jornais podem pagar no Acre.

O que mais contribui para a perda de qualidade dos jornais, sobretudo no Acre?
Começa um pouco com a formação do jornalista. Creio que no nosso tempo de repórteres a gente era mais arrojado e até se sacrificava mais pela notícia. Hoje, creio, os repórteres têm mais facilidade decorrentes da tecnologia, mas não têm aquela gana que nós tinhamos pela notícia.

Como é ser dono de um jornal no Acre? Os governos exercem muita influência dentro da empresa?
O saudoso Paulo Francis dizia muito claro que essa questão da liberdade de imprensa é muito objetiva: ou você tem liberdade econômica, isto é, capacidade de se manter, ou não tem. Não existe outra discussão. Sem essa liberdade econômica, uma empresa jornalística é obrigada a fazer concessões a quem detém o poder. Isso não significa que seja censura. O governo do Acre é nosso maior cliente. Ele é tratado assim.

Isso o incomoda?
Como jornalista, sim. Mas veja bem: tenho consciência de que tenho uma empresa e que preciso tocá-la. Talvez, se eu tivesse um blog como você, minha linha pudesse ser mais independente, não é?

Por que não faz um blog?
Tenho consciência de que sou diretor de uma empresa.

3 comentários:

Anônimo disse...

Minha Nossa, esse Acre tá perdido mesmo. Tomara que Deus salve vocês.

Anônimo disse...

Há algum tempo eu não entrava no blog, Altino. Devo dizer que fico muito contente quando entro aqui, assim como no blog do toinho, porque encontro o que dificilmente se acha na maioria dos impressos acreanos:textos bem escritos e boas entrevistas.
O resgate sobre o legado do chico e sua relação com a mary foi muito bem feito e veio bem à calhar.
Agora, quanto a esta entrevista com o silvio... sem eufemismos... do caralho! Vc fez perguntas que eu sempre tive vontade de fazer e cutucou as feridas da imprensa acreana. Não posso deixar de dizer que tb me surpreendi com a honestidade das respostas do silvio... honestidade que revela os sérios problemas enfrentados pela imprensa, pelos jornalistas e por que não dizer pelo nosso sistema democrático falho, tendencioso e mercadológico, quanto mais na distante província de Galvez, onde o sucumbir de todas as ideologias verborrágicas da academia ante ao imperativo poder da máquina pública são muito mais evidentes. Mais uma vez, parabéns pela entrevista.
Saudações poéticas.

Anônimo disse...

Nada mais do que todos nós ja sabíamos, ainda mais nesse governo, é vergonoso. Porém entendo o Silvio, meus parabéns, soube se sair muito bem.
..."Por que não faz um blog?
Tenho consciência de que sou diretor de uma empresa."...