quarta-feira, 23 de novembro de 2005

DEU NO WASHINGTON POST

Elias Pinto (*)

É isso mesmo. A luta de Lúcio Flávio Pinto foi parar no teto do mundo, no centro da nação mais poderosa do planeta. É isso mesmo: deu no Washington Post. Um dos mais importantes e influentes jornais do mundo dedicou seu espaço mais nobre, o editorial, para comentar a entrega do prestigiado Prêmio Internacional da Liberdade de Imprensa, conferido pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), uma respeitada organização independente (é dirigida pelo editor-executivo do Wall Street Journal) com sede em Nova York, onde ocorreu, ontem, a cerimônia de premiação, no hotel Waldorf-Astoria.

Como o leitor sabe, Lúcio foi um dos premiados (o único das Américas), junto com dois outros jornalistas, o chinês Shi Tao e a usbeque Galima Bukharbaeva, além de Beatrice Mtetwa, advogada especializada em mídia, incansável defensora da liberdade de imprensa no Zimbábue.

O editorial (intitulado “Jornalistas ameaçados”, ou sob ameaça, sob risco de extermínio) começa chamando a atenção para o fato de que dois dos jornalistas laureados não poderiam estar presentes para receber seus prêmios exatamente por sofrerem, em seus países, os efeitos de sua atividade em favor exatamente da liberdade de imprensa – o que dá uma medida da repressão enfrentada em boa parte do mundo, observa o jornal norte-americano.


Um desses ausentes é o jornalista Shi Tao. Seus ensaios sobre reforma política, publicados em sites de notícias fora da China, atraíram a ira das autoridades. Ele cumpre atualmente uma pena de 10 anos de prisão por “vazar segredos de Estado para o exterior”.

O outro ausente à premiação, diz o Washington Post, não está preso, mas o fato de ter escrito – a partir de investigação jornalística voltada para o interesse público, a fim de expor a verdade dos fatos – sobre atividades de empresários e autoridades locais motivou uma batelada de processos contra si, com o intuito de causar-lhe embaraço no exercício do jornalismo independente, a ponto de mantê-lo praticamente sob prisão domiciliar, impedindo-o de viajar. Como já percebeu o leitor, este segundo ausente forçado, registra o Washington Post, é Lúcio Flávio Pinto. Caso viajasse a Nova York, a possibilidade de perder o prazo para algum recurso ou sofrer uma condenação, nota o Post, forneceria às autoridades a justificativa para pedir até mesmo sua prisão.

O terceiro premiado poderia comparecer à cerimônia, mas não, em seguida, voltar ao seu país, informa o editorial. Refere-se à Galima Bukharbaeva, ex-correspondente no Usbequistão do Institute for War & Peace Reporting (Instituto de Informação para a Guerra e a Paz). Ela arriscou sua vida cobrindo o assassinato, pelas tropas do governo, de centenas de manifestantes. Bukharbaeva, exilada nos Estados Unidos, enfrenta, no Usbequistão, processos criminais por suas reportagens sobre repressão e tortura policial.

Finalmente, pela primeira vez na história da premiação, sublinha o Post, um dos distinguidos não é jornalista. Seu nome é Beatrice Mtetwa, advogada especializada em mídia e incansável defensora da liberdade de imprensa no Zimbábue, onde a lei é usada como arma contra jornalistas independentes. Aliás, o editorial diz que no Zimbábue nem há mais jornalistas independentes capazes de honrar esse título.

Dessas informações o leitor pode depreender que nos países citados, China, Zimbábue e Usbequistão, há forte repressão política, um estado policial, e a luta por democracia, por liberdade de imprensa, faz parte da atividade dos jornalistas (e da advogada) premiados pelo CPJ. Com exceção do Brasil.

Como já disse Lúcio Flávio Pinto, o Brasil atravessa o mais longo período de democracia em quase 120 anos como república, mas Lúcio enfrenta o paradoxo de ser perseguido e processado por fatos verdadeiros que divulga.

Daí, se há motivo para exultar que um jornal do porte do Washington Post dedique seu editorial para denunciar, com todas as letras, a perseguição ao jornalista Lúcio Flávio Pinto, ao mesmo tempo não podemos deixar de nos envergonhar de que por causa disso o jornalista não pôde comparecer para receber, ontem à noite (foi representado pela filha), talvez o prêmio mais importante de sua vida jornalística, e essa ausência, no editorial do Post, nos equipara a países ditatoriais, policialescos.

Em decorrência disso, Lúcio também recebeu apoio da organização Repórteres Sem Fronteiras (a mais importante entidade representativa dos jornalistas na Europa), que enviou carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a outras personalidades da política brasileira, pedindo a revogação da Lei de Imprensa (em nome da qual Lúcio é processado).

A maioria dos processos contra o Lúcio é movida por integrantes da família Maiorana, que edita o jornal O Liberal e é concessionária da TV Liberal, afiliada da Rede Globo. Num desses processos, se quer impedir o jornalista de publicar qualquer informação acerca da família Maiorana, o que configuraria censura prévia.


Isso também motivou a Rede de Jornalistas Ambientalistas Brasileiros, a Rede de Jornalistas da Amazônia (Cipó) e a Ong Ecologia em Ação a organizar uma “ciberação” contra as “perseguições e injustiças em represália à sua determinação de buscar a verdade no cumprimento dos preceitos universais do jornalismo”.

Essas entidades divulgaram uma carta dirigida ao grupo Organizações Romulo Maiorana (ORM), às Organizações Globo, à OAB-Nacional, à OAB-Pará, ANJ e ao Tribunal de Justiça do Pará, pedindo, em defesa da liberdade de imprensa no Brasil, a interrupção imediata da perseguição, por meio de processos judiciais, que tem impedido Lúcio Flávio Pinto de viajar, de trabalhar e, eventualmente, de viver.

(*) Elias Pinto é colunista do jornal Diário do Pará

2 comentários:

Anônimo disse...

Há quem reclame que os jornais da corte só falam do Brasil quando falam mal. Oras! Os jornais, e os jornalistas, têm a função principal de dar as más notícias (no news is a good news), porque os outros, todos, só querem dar as boas. É a dura verdade, mas mas dá canja. Falem bem ou falem mal, desde que falem a verdade. Ainda bem que falaram mal do Brasil desta vez. O objetivo de dar a má notícia, desde que verdadeira, é evitar um mal maior. Esperamos que esta notícia ajude o Lúcio na sua luta pela justiça, a verdadeira, nos meandros do poder judiciário e contra o abuso do poder econômico.

Já aqui no Rio Grande do Sul, os ricos conglomerados de comunicação entraram em acordo com o governo do estado para não divulgar a greve dos funcionários da Fundação Piratini - Rádio Cultura e TV Educativa. Eles não gostam de dar más notícias. www.ojornalista.com.br
Um abraço e que saiam-se bem da briga.

Anônimo disse...

Há quem reclame que os jornais da corte só falam do Brasil quando falam mal. Oras! Os jornais, e os jornalistas, têm a função principal de dar as más notícias (no news is a good news), porque os outros, todos, só querem dar as boas. É a dura verdade, mas mas dá canja. Falem bem ou falem mal, desde que falem a verdade. Ainda bem que falaram mal do Brasil desta vez. O objetivo de dar a má notícia, desde que verdadeira, é evitar um mal maior. Esperamos que esta notícia ajude o Lúcio na sua luta pela justiça, a verdadeira, nos meandros do poder judiciário e contra o abuso do poder econômico.

Já aqui no Rio Grande do Sul, os ricos conglomerados de comunicação entraram em acordo com o governo do estado para não divulgar a greve dos funcionários da Fundação Piratini - Rádio Cultura e TV Educativa. Eles não gostam de dar más notícias. www.ojornalista.com.br