segunda-feira, 29 de agosto de 2005

ONDE ANDA LUIZ FRANCISCO?



Texto: Vasconcelo Quadros
Foto: Gustavo Miranda/Ag. O Globo

Está faltando alguém na Brasília das múltiplas CPIs. Quem acompanha os cíclicos processos de investigação que o Congresso, o Ministério Público e a Polícia Federal abrem para pegar políticos denunciados por corrupção tem notado a ausência no noticiário de um personagem que, em outros tempos, sempre esteve presente na apuração ou simples denúncia dos mais estridentes casos – principalmente daqueles que envolviam adversários dos petistas agora colocados sob fogo.

Na quinta-feira, por exemplo, enquanto a CPI dos Bingos discutia a conveniência da permanência do promotor paulista Aroldo da Costa Filho na audiência em que era ouvido o arrependido Rogério Buratti, ex-assessor de Antonio Palocci, o senador Antônio Carlos Magalhães lembrou-se dele, o personagem desaparecido. "Pior são os procuradores federais. Ninguém aqui reclamava dos atos do celerado Luiz Francisco", gritou ACM, para provocar a banda governista que criticava o promotor pela pressa em dar ampla divulgação às denúncias de Buratti contra Palocci. Os governistas queriam a saída do promotor da sala para não constranger o depoente. Pois é. Luiz Francisco de Souza, o procurador federal polêmico e controvertido, que encarnou como poucos o papel de inquisidor de políticos suspeitos e desonestos, anda sumido mesmo.

Desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e depois de ter recusado a promoção por mérito em outras ocasiões, ele deixou a linha de frente do combate e hoje está recolhido à retaguarda. É Procurador Regional da República, função em que, sem o poder de abrir investigações, se ocupa de recursos sobre conflitos jurídicos levantadas pela primeira instância do Ministério Público na Justiça Federal. É uma trincheira burocrática, onde o máximo que pode fazer é propor e participar das forças-tarefas de procuradores que, assim mesmo, devem ser aprovadas pelo colegiado e raramente chegam a lugar algum.

Proposta: júri popular para a corrupção

Aos 43 anos de idade, solteiro, há 12 anos no Ministério Público, esse ex-seminarista brasiliense simpático à esquerda radical e odiado pelo conservadorismo trocou de posição no momento em que o país, pelo que se tem visto nos últimos tempos, mais necessitava de investigadores combativos. O último caso de corrupção em que atuou foi a tentativa de denúncia, por evasão de divisas, do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O governo que ajudara a construir o enfrentou e, através de uma estranha Medida Provisória, deu a Meirelles o status de ministro, ampliando assim um processo de engessamento do Ministério Público iniciado no apagar das luzes do governo Fernando Henrique Cardoso.

Depois de Meireles e da teimosia de Lula em manter como ministro da Previdência o senador Romero Jucá (PMDB-RR), dono de um colossal prontuário de suspeitas de corrupção, começou o vendaval de denúncias que desmoralizou o PT e o governo. Luiz Francisco que, embora prefira não confirmar, votou em Lula, como até as pedras sabem, passou a experimentar o amargo gosto da decepção com o rumo do governo e de um partido que antigamente era tido como sinônimo de moralidade na administração pública.

"Eu, frustrado? Estou é totalmente frustrado!", desabafa o procurador à reportagem de NoMínimo, em sua sala de trabalho, no sétimo andar da Procuradoria Regional da República, em Brasília. É de lá que acompanha o desenrolar da crise política e torce para que ela seja ampliada pelas investigações, mesmo que isso termine no impeachment de Lula caso se comprove o envolvimento do presidente com os casos de corrupção que estão sendo investigados por três CPIs. Por enquanto, Luiz Francisco não vê base jurídica para a apresentação do pedido de impedimento e concorda com a oposição, que também não enxerga nas ruas respaldo para a medida.

Militante do movimento estudantil, do sindicalismo e do PT antes de entrar para o Ministério Público, o procurador é favor de que a cúpula atual do partido - representada pelo ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, e pelo ex-deputado José Genoíno - seja "defenestrada", rigorosamente investigada e entregue à Justiça. E aproveita a onda do escândalo e a possibilidade de um acordo político que possa livrar os culpados de cassação ou do banco dos réus para retirar do baú uma velha e curiosa proposta: "É preciso criar júri popular para os casos de corrupção." E lembra um precedente histórico que autorizaria a idéia: em seu segundo mandado, obtido pelo voto, Getúlio Vargas criou o júri para crimes contra a economia popular. No júri popular, a pena do sentenciado não pode ser mudada por outras instâncias do judiciário.

Luiz Francisco acha que mais do nunca o país precisa de uma operação mãos limpas, mas diz que, antes, é necessário melhorar a estrutura do Ministério Público e do Judiciário e acabar com o foro privilegiado e as prerrogativas dadas aos políticos no passado e ampliadas no governo Lula. "Hoje, está mais difícil de investigar", afirma. O governo do PT, segundo ele, potencializou o golpe desferido por Fernando Henrique contra o MP. No final de dezembro de 2002, o ex-presidente criou o foro privilegiado para autoridades acusadas de praticar atos de improbidade administrativa. Isso significa que só o Supremo Tribunal Federal pode cuidar deste tipo de caso.

"Quando Lula assumiu, em vez de revogar, ampliou a medida", lamenta. Luiz Francisco lembra que o governo ainda se aproveitou da discussão no Supremo sobre a cassação do poder do Ministério Público para abrir investigações e diminuiu o raio de ação dos procuradores. A alternativa negociada pelo então Procurador Geral, Cláudio Fontelles, para manter a prerrogativa foi aceitar a eliminação de abertura de procedimentos ex oficio. Assim, procuradores como Luiz Francisco - a quem as denúncias de corrupção chegavam em profusão em decorrência do apetite demonstrado no combate à corrupção - ficaram impedidos de atuar por conta própria.

As investigações passaram a ser submetidas à rotina burocrática de um processo de distribuição, em que ninguém sabe que caso vai receber. "No governo do PT, a cúpula da minha instituição fez esse regulamento, que tira poder, burocratiza e quebra o impulso de uma investigação. O Ministério Público, tem procuradores combativos e não combativos. Alguns acham até que o MP não deve investigar", diz.

Sonho: destruição do sistema capitalista

Luiz Francisco considera "ridícula" a decisão e se sente limitado na função. "Eu queria ser procurador regional e poder investigar. Sempre tive uma boa rede de informações", lembra o procurador, que já foi questionado por plantar notas em jornais para motivar a abertura de inquérito - um procedimento que gerou crítica até de colegas da instituição. Com esforço, o máximo que consegue hoje é participar de forças-tarefa que, apesar da impressão causada pelo nome, são mais lentas na apuração de denúncias. Luiz Francisco está em três - a que investiga crimes contra o meio ambiente, corrupção em prefeituras e lavagem de dinheiro.

Favorável ao máximo de transparência como forma de tornar público e ganhar o apoio da população no combate à corrupção, aplaude a atitude do promotor paulista que, antes mesmo da conclusão do depoimento de Buratti, em Ribeirão Preto, fez um balanço para os jornalistas sobre os trechos mais importantes das declarações. Ao envolver o nome do então prefeito Antônio Palocci com o esquema de arrecadação de propina, a denúncia balançou o mercado financeiro.

"A investigação lá em São Paulo é pública. Os promotores poderiam, sim, passar cópias do depoimento aos jornalistas. Num Estado transparente, as portas do MP devem ser de vidro. A caixa-preta é que é tirania", brada. Apesar da postura crítica, ele reconhece que o comando do Ministério Público, no governo Lula, foi entregue a um grupo combativo, representado, primeiro, por Fontelles e, agora, por Antônio Fernando de Souza, bem diferentes do procurador Geraldo Brindeiro, conhecido pela rapidez com que mandava para o arquivo denúncias contra o governo FHC. "Acabou a fase do engavetador na cúpula", festeja.

A legislação que rege a vida dos procuradores proíbe a militância política ou partidária, mas não impede que eles se expressem sua ideologia, usando o canal do direito filosófico. Adepto da Teologia da Libertação, das teses da Conferência Nacional do Bispos do Brasil (CNBB) sobre a democracia participativa e do socialismo democrático defendido por intelectuais como Pontes de Miranda e Fábio Konder Comparato, entre outros, Luiz Francisco tem posições radicais. Sempre esteve no grupo que pertence à esquerda do Ministério Público - "na extrema esquerda", acentua - e não faz nenhum segredo sobre as personalidades que mais admira no cenário político. "Gosto do MST e sou amigo do Stédile", conta, referindo-se a João Pedro Stédile, principal dirigente dos sem-terra e mentor das teses radicais do movimento. O procurador é também simpatizante do presidente da Venezuela, o populista Hugo Chavez, que tem como esporte predileto fustigar os Estados Unidos.

Luiz Francisco destaca que Chavez tem a qualidade do governante que realiza as reformas sociais de combate à miséria - qualidade que diz faltar a Lula. Nessa área, amarga outra frustração sobre os rumos tomados pelo atual governo. "Eu queria que o governo Lula se movesse para a destruição do sistema capitalista e implantasse no Brasil o socialismo democrático", afirma. Ele acha que tão ruim quanto ter abandonado a bandeira da ética na política foi o PT coonestar a política econômica do governo anterior. Segundo ele, Palocci é o responsável pelo pagamento de juros da dívida que retiram R$ 140 bilhões por ano dos cofres públicos para favorecer um "grupelho" de sete mil famílias que sonegam R$ 300 bilhões anuais. É o que ele chama de “corrupção estrutural”.

A expectativa de Luiz Francisco era de que o governo Lula rompesse com o FMI, liquidasse a política econômica e o latifúndio, auditasse as privatizações, as dívidas externa e interna e fizesse uma monstruosa reforma agrária. Em vez de cumprir o que ele considera “os compromissos históricos” do PT, o que o procurador diz ter visto nos dois primeiros anos do governo foram "acordos espúrios" para impedir investigações e o livre curso à política econômica de exclusão social: "Eu odeio de morte esses acordos canalhas."

A frustração, afirma, não desencanta; acaba dando mais ânimo para a luta. O procurador acha que, enquanto houver miséria, mais espaço se abrirá para a “radicalidade política” que falta ao país. "O conflito político efetivo, que gera denúncias contra a corrupção, é bom para o país. É verdade que há um sentimento de frustração com o Lula e a cúpula do PT, mas a gente não morre de amores pelo tucanato e nem pelos pefelistas. Isso só atiça o sentimento crítico e a combatividade. É o que dá sentido à vida", filosofa.

Despachando a poucos metros do circuito do poder, o procurador Luiz Francisco diz que sente o cheiro da enorme pizza que está sendo aquecida nos fornos do Planalto e do Congresso: "Eles vão fazer um acordão para as eleições de 2006", aposta.

Fonte: NoMínimo Reportagem

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