domingo, 17 de abril de 2005

DESMATAMENTO

Amazônia perde 30 mil km2 de florestas

Área desmatada entre agosto de 2003 e de 2004 corresponde ao Estado de Alagoas. Os números ainda serão divulgados oficialmente por técnicos do Inpe.

RONALDO BRASILIENSE

Os números ainda estão sendo guardados a sete chaves pelo governo por causa da inevitável repercussão internacional negativa, mas para técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do próprio Ministério do Meio Ambiente e de organizações não governamentais (ONGs) não há mais dúvidas: os desmatamentos na Amazônia entre agosto de 2003 e agosto de 2004 devem bater todos os recordes.

A previsão pessimista é de que pelo menos 30 mil quilômetros quadrados de floresta tropical tenham sido derrubados no período. É um território equivalente ao do Estado de Alagoas. Os otimistas, entre os quais se incluem o secretário de Florestas e Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, e o diretor de Proteção Ambiental do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Flávio Montiel, acreditam que as taxas de desmatamento se situarão no patamar do período entre agosto de 2002 e agosto de 2003, em torno de 23,7 mil quilômetros quadrados, uma área quatro vezes maior do que o território do Distrito Federal.

“Os dados mais recentes mostram que o desmatamento na Amazônia está estável e que agora é o momento para trabalhar a prevenção e reduzir ainda mais esse número”, afirma Flávio Montiel. “A velocidade do desmatamento diminuiu, mas não quer dizer que parou. Está praticamente zero, mas precisamos nos preocupar”, acrescentou.

A taxa de desmatamento das florestas amazônicas no período compreendido entre agosto de 2002 e agosto de 2003 foi de 23.750 km2. A área desmatada no período é a segunda maior registrada na Amazônia, em todos os tempos, superada somente pela marca histórica de 29.059 km2 devastados em 1995. O índice de desmatamento de 2002 foi revisado pelo governo e passou de 25.476 km2 para 23.266 km2.

Os indicativos de que os desmatamentos na maior floresta tropical do mundo foram maiores do que nos anos anteriores são visíveis. O Ibama, por exemplo, flagrou um único desmatamento, na região da Terra do Meio, em São Félix do Xingu, no Pará, com mais de 6.500 hectares de florestas derrubados. É como se 6.500 campos de futebol semelhantes ao Mangueirão tivessem vindo abaixo.

No Estado do Mato Grosso houve um incontestável avanço das áreas agrícolas sobre a floresta nativa e o próprio crescimento do PIB nacional, como ocorreu em anos anteriores, coincidência ou não, mostra que nos anos de maior crescimento da economia brasileira houve também aumento dos desmatamentos nas áreas de floresta. Os recordes nas exportações de soja e o aumento da área plantada no Mato Grosso são comprovações dessa tese.

Outro componente importante para o aumento dos desmatamentos na floresta amazônica são os assentamentos de trabalhadores rurais feitos pelo próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário através do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Nesses assentamentos, a maioria sem receber créditos do governo, milhares de pequenos agricultores são obrigados a derrubar pequenas áreas de floresta – entre dois e quatro hectares – para fazer roças a fim de garantirem a sua subsistência. A somatória desses pequenos desmatamentos, porém, acabam influindo nos índices finais dos desmates da floresta amazônica.

E mais: a exemplo dos últimos anos, mais de 70% de todos os desmatamentos constatados pelas imagens colhidas pelo satélite Landsat na Amazônia brasileira concentram-se em 44 das 229 imagens coletadas, localizadas na área batizada pelo Inpe como “Arco do Desflorestamento da Amazônia”. Engloba terras localizadas no norte do Mato Grosso, sul/sudeste do Pará, norte do Tocantins, sudoeste do Maranhão e terras às margens da rodovia BR-364 (Cuiabá-Porto Velho), onde se concentram projetos agropecuários e agrícolas, com destaque para o avanço do plantio de soja em áreas de floresta tropical, principalmente no norte do Mato Grosso.

O ecólogo norte-americano Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), alerta ainda para o fato de que os desmatamentos na Amazônia contribuem com 6% a 7% para o efeito estufa mundial. O Brasil é, segundo Carlos Nobre, pesquisador do Inpe, responsável pela maior parte das emissões globais de carbono por desmatamento em florestas tropicais.

Quando as taxas de desmatamentos finalmente forem reveladas pelo Ministério do Meio Ambiente é bom lembrar que, apesar de nominalmente referir-se ao período que vai de agosto de 2003 até agosto de 2004, elas mostrarão principalmente as derrubadas feitas em 2003. Isso porque, na Amazônia, os desmatamentos ocorrem principalmente na época do chamado “Verão Amazônico”, que vai de junho a novembro. Já durante o “Inverno Amazônico”, nos meses de chuva, o corte de árvores e as queimadas são impraticáveis.

Metodologia não permite detectar os pequenos focos
O índice oficial do desmatamento na Amazônia aferido pelo Inpe baseia-se em imagens capturadas pelo satélite Landsat para o Prodes, seu programa para acompanhar o desflorestamento na Amazônia. O instituto analisa as imagens em escala 1/250 mil. Nessa proporção, é impossível enxergar, por exemplo, pequenos focos de desmatamento com menos de 6,25 hectares. Existe tecnologia para processar estas mesmas imagens com escala de 1/50 mil, capaz de revelar a floresta com maior resolução e riqueza de detalhes. Dá para vê-la 5 vezes mais de perto, detectando qualquer tipo de devastação a partir de 1,25 hectare. Mas essa tecnologia não é empregada pelo Inpe. A razão tem a ver com a metodologia.

Além do Landsat, dois outros satélites fornecem imagens usadas para identificar desflorestamentos na Amazônia. Um é o Cybers, projeto conjunto entre Brasil e China. O outro chama-se Modes e serve de pilar ao programa Deter, do Ministério do Meio Ambiente e Ibama, dedicado a achar desmatamentos em tempo real na região. Por conta dessa característica, de geração de imagens no menor espaço de tempo possível, a resolução da produção do Modes é baixa, coisa que o impede de detectar qualquer desmatamento com menos de 10 hectares. (R. B.)

Inpe já faz monitoramento por satélite em tempo real
Já estão disponíveis na internet as informações sobre o desflorestamento da Amazônia registradas pelo Sistema Deter – Detecção de Desmatamento em Tempo Real, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), instituição vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. O Deter tem o apoio do Ministério do Meio Ambiente e Ibama.

O programa mostra o local e a área de desmatamentos na região amazônica, classificados por período observado e faixa de área (maior que 25 hectares até mais de 5 mil hectares). Até o momento, é possível obter dados que foram processados, mensalmente, no período de agosto de 2003 a outubro de 2004. Para 2005, a meta é aumentar a freqüência de disponibilização dos dados para duas a três vezes ao mês.

O Deter não tem como objetivo calcular a extensão das áreas desmatadas – função já exercida pelo Projeto Prodes, que divulga anualmente as taxas de desmatamento da Amazônia Legal através do monitoramento por satélite. Ele foi desenvolvido para fornecer rapidamente aos órgãos de controle ambiental informações periódicas sobre eventos de desmatamento, para que o governo possa tomar medidas de contenção. Como o sistema produz informação em tempo “quase real” sobre as regiões onde estão ocorrendo novos desmatamentos, a sociedade brasileira passa a dispor de uma ferramenta inovadora de suporte à gestão de terras na Amazônia. (R. B.)

Pecuária é a maior responsável pelos desmatamentos
Estudo do Banco Mundial (Bird), assinado pelo economista Vinold Thomas, diretor, e Sérgio Margulis, economista ambiental, sugere que a expansão da pecuária ainda é responsável pela maioria dos desmatamentos na Amazônia brasileira. A pecuária ocupa 75% das áreas desmatadas, sendo os médios e grandes pecuaristas os maiores responsáveis pela ocupação. Do ponto de vista econômico, o processo decorre primordialmente da alta lucratividade privada na região quando comparada a outras atividades, não-pecuárias, ou quando comparada à pecuária em outras áreas do País.

Em Alta Floresta (MT), por exemplo, a receita líquida estimada da criação de gado por hectare é de R$ 139 ao ano; em Paragominas, no Pará, chega a R$ 103. Já no município paulista de Tupã, tradicional produtor de gado, o mesmo ganho é de R$ 65. As taxas de retorno na região amazônica chegam a ser quatro vezes maiores do que no centro-sul do País. Essas diferenças impulsionam o crescimento da pecuária e o desmatamento da Amazônia, segundo os economistas do Banco Mundial.

O cálculo dos lucros privados dos pecuaristas, porém, não incorpora os custos ambientais dos desmatamentos. Enquanto um pecuarista lucra, em média, US$ 75 por hectare a cada ano, os custos ambientais são estimados em US$ 100 - e possivelmente muito mais -, sugerindo que o país como um todo sai perdendo. Além disso, boa parte da pecuária se expande sobre terras do Estado, freqüentemente envolvendo grilagem e violência no campo.

“O principal problema é, portanto, que a renda da pecuária é significativa, ainda que concentrada e implicando altos custos sociais e ambientais. Como estes últimos são difusos, envolvendo impactos nas populações locais e na comunidade global, não há mecanismos triviais de compensação. É como a poluição das indústrias e dos veículos, que afeta a todos: sem a presença do Estado, os custos sociais recaem sobre toda a sociedade, ainda que a indústria seja lucrativa e gere renda privada”, concluem os economistas do Bird.

Soja - O crescimento das áreas de plantação de soja está deslocando os terrenos usados para a pecuária para dentro das florestas e indiretamente está produzindo desmatamento. A conclusão é do estudo “Relação entre Cultivo de Soja e Desmatamento”, realizado por iniciativa do Grupo de Trabalho sobre Florestas do Fórum Brasileiro de Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais para Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS).

O estudo levou em conta questões relacionadas com a expansão da área cultivada, principalmente no Estado do Mato Grosso e na Amazônia brasileira, sem analisar a relação entre desmatamento e processos secundários da produção do grão, como o beneficiamento (em que é usado carvão vegetal), e os impactos gerados pela instalação de infra-estrutura de escoamento, como a construção de estradas.

“Há dois principais resultados do estudo: o primeiro aponta para fato de que a soja empurra a pecuária para áreas de floresta. O segundo é que o prazo entre o desmatamento e a instalação da cultura da soja se reduziu muito ao longo dos últimos anos. Antes, era de cinco, seis anos. Agora, passou a ser de dois, na média”, afirma o coordenador da pesquisa, Roberto Smeraldi.

Segundo o estudo, a soja, apesar de influenciar o aumento do desmatamento de florestas, não é o único fator a agir no processo. “A análise entre a expansão da soja e a taxa de desmatamento nos municípios mostrou que existe uma relação indireta entre os dois processos, ou seja, a soja é um dos fatores do desmatamento, mas não é o único e o influencia indiretamente”. Smeraldi destaca que não há um “vilão” do desmatamento. Para Smeraldi, o desmatamento nas proporções atuais é resultado da existência de uma “sinergia”, de uma “cadeia do desmatamento”. “É um processo, é um ciclo, não existe o vilão. Qual é o efeito da soja nesse ciclo? Ela é um turbinador do processo de desmatamento. Ela torna o processo de desmatamento mais rápido e o direciona para as áreas que são de interesse para a agricultura mecanizada”, conclui. (R. B.)

Fonte: O Liberal

Um comentário:

Anônimo disse...

Pequena correção: O satélite Sino-Brasileiro não se chama Cybers e sim CBERS - China-Brazil Earth Resouces Satellite (Satélite sino-brasileiro de recursos terrestres).
Abraço,
R.Feres