domingo, 31 de outubro de 2004

HORIZONTE SOMBRIO


A foto foi tirada às 14h42 de domingo 31, a partir da varanda de minha casa, na estrada Custódio Freire. É por aqui, dia e noite, que passa uma parte da madeira roubada das florestas do Acre.

Outro dia, numa entrevista publicada aqui com o padre Paolino Baldassari, perguntei sobre manejo florestal. Ele respondeu:

"Eu não concordo com o manejo porque é uma manipulação. Eles dizem que é assim, mas depois manipulam. Não acredito no manejo mesmo, não. Eles não respeitam nada. Eles derrubam tudo. Depois, fica a capoeira, que será vendida aos fazendeiros, que tocam fogo para fazer pasto para os bois. Eu te digo: é uma tristeza! Eu falo, grito, denuncio. O Anselmo Forneck, chefe do Ibama no Acre, é muito meu amigo. Eu chamo ele até meia-noite e digo: dê um jeito porque não é possível continuar como está."


Bem, como não existe fiscalização da promotoria de meio ambiente, do Imac, do Ibama e tampouco da sociedade...

sexta-feira, 29 de outubro de 2004

CENSURA EM DEBATE

Existe no cosmo um ser cujo pseudônimo é Astronauta de Mármore que, quando baixa à terra, atualiza o blog Caverna da Lua de Saturno.

A última proeza do Astronauta de Mármore foi reservar espaços para quem queira falar bem ou mal do governador Jorge Viana. Pincei de lá, o bom debate que se estabeleceu entre os jornalistas Antonio Alves e Angélica Paiva sobre liberdade de imprensa no Acre.

Como a Angélica é uma cinqüentona, que costuma escrever nos blgs como se fosse adolescente em sala de bate-papo, tive que “pentear” os textos dela para conforto dos leitores daqui.

Eis o debate:

Angélica Paiva - Se é para destacar um item, lá vai: a censura chegou a tal ponto que os jornalistas convocaram uma assembléia no sábado para debater a questão. O governo porém inoculou seus vírus por lá. Gente que foi para defender o governo e, invertendo as posições, transformou os jornalistas de vítimas da censura em algozes. Uma proposta sem-vergonha de convidar o Secretário de Comunicação Aníbal Diniz para a próxima assembléia, que será realizada em 15 dias, foi aprovada com o voto vencido da TV Gazeta. A proposta aprovada prevê que os jornalistas peçam ao Anibal Diniz, que ele, em sua infinita bondade e poder, conceda a possibilidade de dar um espaço mesmo que pequenininho à oposição. Ou seja: os jornalistas do Acre vão pedir ao Secretário de Comunicação do Governo da Floresta o direito de fazer o trabalho direito, porque, afinal, ouvir os dois lados é o básico. Frente a uma situação dessas, não tem como não concordar com o Toinho Alves: a imprensa do Acre é uma merda! Não sabe de lei. Por exemplo, que rádios e TVs abertas são concessões públicas e não podem estar sujeitas a vontades, mas têm que cumprir uma função social. Não entendem de política, afinal democracia é o mais moderno desenvolvimento sustentável, que não é só reflorestar e ter cuidado na hora de cortar, mas prevêem a liberdade de expressão como condição sine qua non para existir. Não entendem de história. Tudo o que diziam era: vamos fazer dentro da ordem. Sem saber o que defendem com o "dentro da ordem" - descartando-se aqui a corrente positivista, ainda temos a proximidade com a ditadura militar, que também fazia tudo em nome da ordem, e quem não seguisse essa "ordem" era subversivo! E finalmente vão pedir ao Secretário de Comunicação menos censura! Dando à função exercida para assessor, poderes que não possui. Estou envergonhada! Quando a presepada começou, fui embora, enojada. Agora,longe do calor da coisa, analiso da seguinte forma: os vírus do governo deram um tiro no pé ao forçar o convite ao Secretário de Comunicação. Se ele for, vai assumir que a censura, que eles sempre negam, existe. E,se não for, coloca em maus lençóis as pessoas que foram para a assembléia do Sindicato dos Jornalistas defender o governo. Só resta a pergunta: E agora, José, digo, Aníbal?

Antonio Alves - Já que fui citado, vou responder com uma notinha que escrevi em novembro de 95 (governo Cameli, lembram?) no Página 20, intitulada PROTESTO: “Jornalistas farão protesto nesta segunda-feira, em frente ao palácio do governo, contra as ameaças de morte, as agressões e a censura que vem sofrendo. Muito justo. Mas ainda acho que o melhor protesto seria, simplesmente, recusar-se a escrever mentiras. Questionar os entrevistados ao invés de fazer perguntinhas fáceis para ‘levantar a bola’. Deixar de elogiar os que não podem criticar. Investigar e redigir as denúncias. Ouvir sempre o outro lado. Escrever a verdade. Se os patrões quiserem publicar, que publiquem. Se não quiserem, que contratem um capacho qualquer para fazer o serviço. Se não posso viver com dignidade na minha profissão, então mudo de profissão”. Quanto ao governo, Astro, falarei mal quando lembrar de algo para falar bem e vice-versa.

Angélica Paiva - Toinho a discussão é mais profunda que o simples mal-estar da categoria e o "jeito" de sair dele, mudando de emprego. O que está em discussão é a liberdade de expressão como um dos princípios basilares da democracia. Nunca é demais lembrar o velho Voltaire: "Não concordo com nada do q você diz, mas defendo até a morte o seu direito de dizer".

Antonio Alves - É verdade, Angel, mas primeiro eu tenho que defender "até à morte" o meu próprio direito de dizer. Se eu baixo a cabeça e digo sim ao patrão e ao censor, vou esperar que o sindicato, a categoria, o partido, o sei-lá-o-quê me defenda? Só que tem uma coisa: pra defender qualquer coisa "até à morte", é necessário considerá-la mais importante que a própria vida. Mas a maioria acha que o salário, mesmo pequeno, é mais importante que a liberdade.

Angélica Paiva - Toinho, concordo com você, mas insisto: o foco não é esse. A discussão é sobre a censura exercida pelo Governo do Estado, que é ilegal e imoral. Na minha opinião, a reação ou falta de por parte de jornalistas é fator secundário. E se ater a esse detalhe é manter a discussão na superfície. Existe uma ilegalidade,uma afronta à democracia.E é praticada oficialmente pelo governo e em nome do governo. Este é o foco!

Antonio Alves - Angel, o governo não "exerce censura", ele simplesmente edita os jornais dos quais ele é uma espécie de arrendatário, quase dono. O que o governo poderia (e na minha opinião, deveria) fazer é simplesmente deixar de ser dono e passar a ser cliente, simples anunciante. Nesse caso ele teria o direito de "editar" apenas o anúncio pelo qual pagou. E não daria ordens, nem sequer palpites, sobre reportagens ou linha editorial. Mas aí os patrões (donos legais) deixariam de ganhar uma boa grana. O jogo da chantagem é conveniente para ambos. Só os jornalistas poderiam desatar esse nó, se tivessem vontade e coragem. Mas aí estariam arriscando seus empregos. Então, a única atitude possível é essa que você critica, com toda razão: "pedir" liberdade de expressão. É tudo tão patético!



PÁSSARO GRANDE


*André Dusek

Ele não queria acreditar mas estava ali, ao lado do corpo de Che Guevara morto. Fotografou o que podia, consumiu vários rolos de filme. Entre uma chapa e outra, pegou na mão de Che e constatou que estava quente. De um furo no seu peito ainda brotava sangue. Che havia sido executado há pouco tempo. Há dias sem dormir e ainda um pouco bêbado, o fotógrafo Antônio Benedito de Moura, continuava sem acreditar no que via e fotografava. Para ter uma prova que fosse além das fotos que fazia, pegou um pedaço de filme virgem e tentou tirar as impressões digitais do guerrilheiro, mas foi impedido por um militar boliviano. O mais incrível é que um grande porre e muita sorte ajudaram o repórter fotográfico Antônio Moura do Diário da Noite e o cinegrafista Walter Gianello da TV Tupi, ambos dos Diários Associados, a produzir este importante furo internacional na década de 60. Eles foram os primeiros a fotografar e filmar Che Guevara morto na Bolívia.

Esta história começou dias antes em um bar chamado São Benedito na cidade boliviana de Santa Cruz de la Sierra, que o fotógrafo e o cinegrafista brasileiros adotaram como casa e que carinhosamente chamaram de "sucursal" . Era outubro de 1967 e eles aguardavam por vários dias o retorno da repórter Helle Alves. Esta tinha ido à La Paz tentar conseguir vistos para seguirem para Camiri, onde acontecia o julgamento do jornalista francês Regis Debray, acusado de participar da guerrilha naquele país. Como não havia o que fazer, Moura e Gianello, iam matar o tédio no boteco São Benedito. Dia após dia os dois tomavam "todas" (cerveja e pinga). Havia na cidade um boato de que um tal "pássaro grande" estava para ser pego. Lá pelo dia 4 de outubro o dono do bar os chamou num canto e avisou: três "caras" do serviço de informação do exército boliviano e informantes da CIA chegariam no bar para tentar arrancar alguma informação dos jornalistas brasileiros.

Até hoje Moura não sabe o que queriam arrancar deles mas, pelo sim e pelo não, resolveram "pegar leve" na bebida a partir daquele momento. Os informantes bolivianos chegaram oferecendo cerveja, porém os dois brasileiros foram logo dizendo: " vamos fazer como é costume no Brasil, vamos "quebrar o "gêlo" e tomar do jeito brasileiro, ou seja, tomando cachaça com cerveja. Enquanto Moura e o Gianello tomavam uma, os bolivianos tomavam três. De madrugada os brasileiros saíram de lá carregando os três bolivianos com a informação de que o "pássaro grande" que estava por perto era Che Guevara e que estava cercado nas proximidades de La Higuera. Helle, que já havia voltado, Moura e Gianello tomaram um jipe e pegaram a estrada.

Encontraram militares pelo caminho e várias barreiras. Para ganhar a confiança, Moura fotografou a movimentação dos boina-verde. Ele, Gianello e Helle se alistaram como colaboradores voluntários do exército boliviano que não se responsabilizaria pela segurança dos jornalistas. Estes só poderiam acompanhar as tropas até Valle Grande. Eles conheceram um tenente, que havia estudado na Academia Militar de Agulhas Negras e falava bem português. O militar lhes contou que Che já estava preso. No dia seis de outubro, Moura fotografou a chegada dos cadáveres de dois guerrilheiros identificados como Tânia e Perêdo. No dia oito chegou a informação de que Guevara já estava morto. Para não correr riscos, Moura entregou a sua Rolleiflex ao tenente para que fizesse as fotos caso ele não tivesse acesso ao local aonde estava o corpo, ficando só com a câmera 35 mm.

Às três horas da tarde do dia nove chega em Valle Grande um helicóptero com dois corpos amarrados em macas no trem de pouso do lado de fora. Um deles era Che Guevara. Sua maca foi carregada até uma lavanderia e colocada em cima de uma pia com balcão. Não foi difícil chegar perto, mas teve que “molhar a mão” de alguns militares com pesos bolivianos. Moura nem esperou a autorização e tirou várias fotos de Che morto, mostrando detalhes do corpo. Na hora, o seu flash não funcionou e as fotos foram feitas com luz natural, com baixa velocidade de exposição pois na lavanderia estava escuro, o que deu um tom dramático às imagens. “Para você ter uma idéia de como o Che chegou, parecia vivo ainda, estava quente e apertando a mão na haste da maca. Ele foi executado mesmo”, relata Moura. Lá contavam que Che quando foi encontrado tomou um tiro na coxa e caiu no chão. Depois foi amarrado numa árvore para ser executado.

Che tinha vários problemas de saúde. Além de asmático ele usava botas ortopédicas. Como não tinha mais botas, ele estava usando uma metade de bola de futebol amarrada em cada pé. Ele também estava sujo de terra. As fotos de Moura mostram o Che com a mão agarrada na haste da maca, com as metades de bolas de futebol nos pés, o corpo sujo de terra e vestindo uma jaqueta com capuz. A foto feita pelo fotógrafo Freddy Alborta, que depois circulou o mundo, mostra um Che Guevara morto com o corpo limpo, sem camisa, com vários militares em volta apontando o furo da bala e com os pés descalços. Essa foto foi feita com certeza horas depois das tiradas pelo Moura. O corpo de Che ficou exposto para visitação do povo de Valle Grande durante a noite, mas no dia seguinte sumiu. Suas mãos foram amputadas para efeito de identificação e tempos depois foram enviadas para sua família na Argentina. Seus restos mortais só foram encontrados em 1997 e enviados à Cuba onde foi feito funeral com trinta anos de atraso. A imprensa internacional estava toda em Camiri, no julgamento de Debray e quando souberam correram para Valle Grande, mas era tarde demais. Naquele tempo não era fácil se deslocar pela Bolívia.

Em sentido contrário voltando na estrada, Moura, Gianello e Helle correram para Santa Cruz. Por sorte naquele dia saiu um vôo para São Paulo. Helle embarcou sozinha com todos os filmes de Moura. "Parem as máquinas!" O Diário da Noite publicou com exclusividade as primeiras fotos de Che Guevara morto. A equipe dos Diários Associados "furou" até os bolivianos. Depois, estas fotos foram vendidas para o mundo todo e Assis Chateaubriand ganhou dinheiro e prestígio. Moura, ao voltar ao Brasil ganhou muitos elogios.

Antônio Benedito de Moura começou a carreira como laboratorista na Folha de São Paulo em 1954 e mais tarde foi fotógrafo no Diário da Noite, dos Diários Associados por 19 anos. Depois trabalhou para o Globo na sucursal de São Paulo. Moura hoje está aposentado. Ele completou 66 anos em junho deste ano. As imagens de Che morto na Bolívia feitas pelo cinegrafista Walter Gianello se perderam num incêndio na TV Tupi. Felizmente as fotos estão salvas: Antônio Moura guarda seus negativos até hoje. Isso é História, com H maiúsculo e deve ser preservada para sempre.

*André Dusek é fotógrafo

quinta-feira, 28 de outubro de 2004

TORTURA NO ACRE?

Atenção secretário Fernando Melo, da Justiça e Segurança Pública do Acre, um pedreiro teria sido preso e torturado nas dependências de uma delegacia em Rio Branco.

O relato do caso está no blog “Sobre a mesa! Como sempre...”, da responsabilidade do estudante de direito André Néri. Confira dois trechos do relato do estudante:

“Na abordagem, os políciais pediram que o servente apresentasse os documentos que ele não portava. A polícia o levou para a Delegacia (estou louco pra saber qual é), onde ficou sob prisão temporária até o dia seguinte. Naquela hospedaria, o servente apanhou de todo modo, até queimado com cigarro o infeliz foi. É uma polícia de primeiro mundo. Destruindo com a integridade física, moral e psicológica de um cidadão. Tudo conforme o due process of law”.

“Eu não sei o que pensa o homem da SEJUSP, mas com toda certeza é diferente do que a grande maioria da população e, principalmente, o humilde servente, pensam. Eis a problemática: a) O erro está nos voluntários? b) Na Segurança como um todo? c) No coitado que não portava a carteira? d) Na Polícia Civil? e) No Estado? f) Em mim que não tenho o que fazer e tomo dores? :P Qual seu ponto de vista sobre o assunto?”

BATE-BOCA

Colunista social How Campos, do jornal A Gazeta, tascou a nota “Bicho grilo” na qual sugere à direção do teatro Plácido de Castro que impeça a entrada de pessoas de bermuda e chinelo .

A primeira reação surgiu no fórum do Guia Rio Branco, onde alguém, com o sugestivo pseudônimo de Regueira Guerreira, escreveu o seguinte:

- Meu amorzinho! Deixa de perrengue, o teatro Plácido de Castro é um lugar público, as pessoas têm o direito de vestir-se da forma que acham melhor. Você mostra, com o seu comentário, que não passa de um provinciano. Percebe-se que de viajado você não tem nada. Se toca, meu.

Também não exagera, Regueira Guerreira. Já vi o How Campos de mãos dadas com um francês, em Arequipa, no Peru, que deixaria você morta de inveja.

Calminhas, tá?

quarta-feira, 27 de outubro de 2004

ALCEU RANZI

Caro Altino.

Obrigado pela oportunidade de ler O Eco.

O Carlos Peres, centro dos comentários do Marcos Sá Correia, conhece o Acre muito bem. O outro, o Laury Cullen Jr., ganhador do prêmio Rolex, é visitante contumaz do Acre.

Eles passam pelo Acre desapercebidos, de botina e mochila no ombro. Ambos já deram palestras no Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da Universidade Federal do Acre (Ufac).

O Carlos Peres, conheci nos USA. Somos da mesma escola de ecologia. O Laury é cria do Cláudio Pádua, primo da Teresa Pádua.

O Cláudio Pádua também é professor visitante do mestrado da UFAC e foi meu colega na mesma escola onde estudou o Carlos Peres.

Acho que todos fomos alunos da Marianne Schmink, inclusive o Francisco Cartaxo, além de outros acreanos que estudaram na Florida.

Creio que a Marianne ainda mantém casa em Rio Branco, alugada da Carolina Sampaio, vice-reitora da Ufac. Marianne é a mentora e mantenedora (foi ou ainda é) do Pesacre.

Veja como as coisas se ligam.

Um abraço.

Alceu Ranzi

NOTA DO BLOGUEIRO: O paleontólogo Alceu Ranzi é autor do livro "Geoglifos da Amazônia", que acaba de sair do prelo. A obra trata de um tema acreano, possivelmente similar aos mundialmente famosos geoglifos de Nasca-Peru. As excelentes fotos do livro são do Edison Caetano, profissional radicado em Rio Branco. O livro pode ser obtido com o Dr. Rodrigo Aguiar, cujo e-mail é rsimas@brturbo.com. E quem quiser conhecer um pouco do que há no livro deve visitar o site Geoglifos da Amazônia. Valeu Alceu!

ÀS URNAS

O moço que aparece na TV, na propaganda da Uninorte, afirma que avaliou os melhores candidatos e foi “às urnas” votar.

Todos sabem que cada eleitor vota apenas em uma urna, mas o universitário da Uninorte dá a entender que votou em mais de uma.

Com isso, corre risco de ser chamado a dar explicação à Justiça Eleitoral. O redator bem que poderia ter evitado tropeços na língua e na lei.

Propaganda assim causa estragos ao cliente da agência.

AULA DE AMAZÔNIA

Marcos Sá Correia

“O que estou querendo dizer aqui é que temos de ficar espertos”, avisou o professor Carlos Peres, no meio de sua conferência sobre “Conservação da Biodiversidade: ciência atual e perspectivas”. Espertos, em primeiro lugar, para não se confundir com o título da palestra que o programa anunciava para a manhã de quarta-feira no IV Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. E espertos, sobretudo, para perceber, às oito e pouco da manhã, que Peres estava despejando sobre o auditório, numa velocidade que mal deixava a platéia ler de alto a baixo os slides projetados pelo computador nos telões do auditório, uma avalanche de informações inéditas sobre o tal do desenvolvimento sustentável, pedra de toque do Ministério do Meio Ambiente para salvar a Amazônia via governo Lula.

Tudo ali soava a novidade, talvez porque, como ele mesmo explicou, não eram dados de proveta, gerados em laboratório por gente que mal tira o avental branco. “Tem que sujar a bota no mato”, recomendou aos interessados em lhe seguir os passos. Mas também não eram produtos do puro empirismo militante nos seringais do Acre, como a doutrina oficial que levou as reservas extrativistas para Brasília, na bagagem da ministra Marina Silva. Peres é paraense. Seu pai foi o maior exportador de castanha-do-Pará no mundo por mais de 35 anos. Como pesquisador, morou em cabana com teto de palha na floresta. E entre as imagens que ele mostrou havia, além de gráficos e tabelas, seu próprio retrato em preto e branco, ainda menino, com uma castanha nas mãos.

Mas Peres não ficou nisso. É professor de ecologia tropical na universidade de East Anglia, na Inglaterra. Tão aclimatado ao meio acadêmico internacional que, no fundo de seu português, há um leve sotaque anglófono. Quando pronuncia “Brâsil”, por exemplo. Ou quando solta no meio de um longo improviso em português a palavra “rapids” e corrige imediatamente para “corredeiras”. Graças à revista Time e à rede de TV CNN, virou o milênio com o título de ambientalista do século. Não trouxe nada escrito para Curitiba, onde por sinal mora uma irmã que ele não via há quase dez anos. Mas tem cerca de 140 trabalhos publicados sobre o assunto de sua palestra.

E que palestra! Peres veio simplesmente dizer que a ocupação sustentável da Amazônia pode servir para muita coisa, inclusive para deixar que a região apareça bem nas fotografias de satélite. Mas torna a longo prazo a floresta insustentável. Num ritmo menos agressivo e muito mais simpático que o dos grandes projetos de criação pecuária e outras fórmulas de devastação acelerada, sem dúvida. Sob o dossel de árvores que ajuda a preservar, as reservas extrativistas e as terras indígenas extinguem a mata de baixo para cima, numa escala que só a pesquisa científica é capaz de medir e prever a tempo.

Domingo, naquele palco, a ministra do Meio Ambiente fizera questão de deixar claro, elevando a voz de tom metálico, que para o governo a saída da Amazônia são as reservas de uso sustentável. Três dias depois, Peres reconheceu que esta é a tendência, não só do Brasil como do mundo, para dar a volta no problema da conservação sem passar pelas resistências políticas do imediatismo social. Na Conferência Mundial de Parques do ano passado em Durban, África do Sul, o secretário-geral da ONU Kofi Annan congratulou o planeta pelas 100 mil unidades de conservação criadas nos últimos dez anos. Melhores do que nada, elas hoje cobrem mais de 11% da Terra. Mas se trata cada vez mais de reservas de uso sustentável, uma combinação quase mágica de dois substantivos que não concordam um com o outro – pois reserva é o oposto de uso – e um adjetivo cujo sentido ainda não foi comprovado. Mas é nele que “está o maior potencial de expansão das áreas protegidas, pelo menos do ponto de vista legal”, Peres reconhece.

O problema é que a Amazônia tem uma longa história de extrativismo. E seus efeitos nem sempre são visíveis a olho nu, porque até agora se diluem naquela imensidão continental. A não ser quando fura a barreira de isolamento da região e emerge nas manchetes dos jornais um caso exemplar, como o do perfume Chanel No. 5, aquele que Marylin Monroe usava para dormir. Em sua fórmula entrava um extrato de pau-rosa, uma essência amazônica. E o pau-rosa sumiu. Em agosto o The New York Times publicou uma reportagem contando por que o Brasil perdeu para a Bolívia a velha liderança no mercado mundial da castanha-do-Pará. É que essa castanha, como seu próprio nome proclama, começou a ser explorada há mais de cem anos na Amazônia oriental. Ao longo do século, deixando para trás os lugares que ela mesma empobrecia, sua indústria foi marchando para oeste, até atravessar as fronteiras do Peru e da Bolívia.

Contada assim, a história já serviria como advertência para os devotos do extrativismo politicamente correto. Mas, traduzida por Peres em curvas e números, ela se torna muito mais difícil de ignorar. Por isso é melhor ficar esperto para não perder de vista o que pode estar acontecendo lá no fim do mundo, sob a cobertura da floresta. Formalmente, 4,3% da Amazônia ficam hoje em reservas. São 80 milhões de hectares mais ou menos defendidos do avanço das frentes de colonização. E a ministra anuncia que vêm aí mais 500 mihões de hectares, como Florestas Nacionais, terras indígenas, reservas extrativistas e, “também”, unidades de conservação propriamente ditas.

É notícia para se festejar. “Algumas reservas indígenas fazem um trabalho de fiscalização em suas terras muito melhor que o do Ibama ou dos serviços estaduais de proteção ambiental”, Peres ressalva. Os caiapós no Pará chegam a bancar sobrevôos de suas reservas, para ver se tem cara-pálida pulando a cerca. No Xingu, a soja empareda a mata com tanta avidez, que o limite da reserva indígena é uma fronteira de linha geométrica, traçada em verde escuro pela selva. São coisas que o Estado brasileiro conservou, gastando pouco mais do que tinta em papel.

“Mas será que elas vão garantir o futuro da floresta?” – pergunta Peres. Pior que incerto, este futuro é sombrio, embora essas sombras se projetem no horizonte invisível de uma terra de ninguém, povoada pelos mandatos de gerações que ainda nem pensaram em entrar na política. Numa Amazônia que vai encolhendo à taxa anual de 1,9 milhão de hectares, qualquer paliativo parece uma solução. Mas, debaixo da faixa de desmatamento que o INPA monitora muito bem, acontecem coisas que da órbita terrestre os satélites não enxergam, como caça, fogo rasteiro ou extração de outros produtos vegetais que não a madeira. E tudo isso muda a floresta.

Em que medida? Peres dá dois exemplos. Primeiro o da castanha, estudada em 23 áreas de exploração “sustentável”. A Bertotlethia excelsa não só é a maior árvore da Amazônia – na base, chega a 18 metros de perímetro – como uma das principais fonte de sustento de populações inteiras. Está no mercado internacional desde 1900. E até hoje, de todas as castanhas que viraram produtos comerciais, é a única que é toda tirada da natureza. O trabalho do homem é colhê-la. Quem planta castanha-do-Pará é a cotia, numa das associações mais íntimas já estudadas entre um bicho e uma planta.

Combinando todos os fatores mensuráveis, uma equipe multinacional de pesquisadores, capitaneada por Peres, apurou o que está acontecendo nas áreas de colheita das castanhas. Em cada uma delas, a estrutura etária pode variar muito. Mas essa variação parece menos aleatória quando se arruma numa linha do tempo. Quanto mais antiga a convivência com castanheiros, mais velhas são as árvores de uma área. Sinal de que elas param de se reproduzir, quando suas sementes vão de preferência para outras bocas que não a da cotia.

A reprodução das castanheiras amazônicas passa por um gargalo estreito. Ela tem que gerar em média cem mil sementes para fazer um broto. A semente que vinga quase sempre foi enterrada por cotia. Depois disso, ela só cresce em clareira. Quando tem o tamanho de um arbusto, vira comida de anta. Pode viver mil anos. Mas tem uma infância difícil. Há lugares pesquisados pela turma de Peres, como a reserva extrativista do Rio Cajari, em que todas as castanheiras são adultas. Sinal de que ali a floresta está caducando.

O outro indicador de problemas futuros é a fauna cinegética. Quer dizer, a caça de subsistência. Cento e cinqüenta mil toneladas de proteína animal são tiradas por ano da Amazônia. Vão parar na dieta de populações que não poderiam comer a mesma quantidade de carne, se tivessem que convertê-la pela cotação do quilo de boi. É uma tradição consagrada pelo tempo entre índios e caboclos. Mata cheia de caça, no dialeto regional, chama-se “boa de rancho”. As populações tradicionais da Amazônia matam de preferência bicho grande. Anta, por exemplo. Só vão atrás do pequeno, que geralmente é mais esquivo, quando o outro começa a faltar. E ele está faltando. Há grandes áreas no meio da selva fechada onde a média de peso dos animais não passa de um quilo.

Na Amazônia, não há preconceito contra a carne de macaco. E ela não é fácil de repor depois que vai à mesa. Uma fêmea de macaco-aranha “muito bem-sucedida” consegue ter no máximo, numa longa vida, “três ou quatro crias”. E até entre os índios certos hábitos estão mudando. Em outros tempos, quando um lugar se despovoava de animais, a aldeia se mudava para terras de caça abundante, largando para trás um território que a fauna nativa podia repovoar aos poucos. Agora muitas aldeias indígenas têm coisas como antenas parabólicas, que são difíceis de transportar pelo meio do mato. Tornaram-se ao mesmo tempo mais sedentárias e mais exploratórias. Há dez mil rios na Amazônia. A maioria é navegável. Um caçador vai muito longe pelos caminhos naturais dos cursos d’água. E isso aparece nos gráficos da fauna amazônica.

Os caiapós, por exemplo, insistem em caçar queixadas e antas. E o resultado é que os bichos morrem lá dentro em proporções dez vezes maiores do que o limite biologicamente sustentável. Sem falar que vendem madeira nativa a preço de banana. Isso numa reserva sustentável. Fora das terras indígenas, a população humana da Amazônia está crescendo em ritmo muito mais acelerado que a média de expansão demográfica do país. Certos municípios da região incham 30% ao ano. Pelo menos 298 municípios da bacia amazônica já têm mais de uma pessoa por quilômetro quadrado. Um único índio precisa de cem vezes isso para manter seu estilo de vida tradicional à custa da floresta, mesmo com baixo nível de consumo. Não é preciso ir muito longe para ver que a conta não fecha.

Num Brasil onde há quase dois anos a política ambiental é tratada como dogma de fé, 50 minutos de palestra do professor Carlos Peres são ao mesmo tempo um alívio e um aperto. A Amazônia pode estar pior do que se pensa. Mas, pelo menos, ouvindo-o, se pensa.

Fonte: O Eco

terça-feira, 26 de outubro de 2004

LIBERDADE DE IMPRENSA

O Brasil ocupa o 66º lugar no ranking da liberdade de imprensa elaborado pela organização não-governamental (ONG) Repórteres Sem Fronteira.

O país, que melhorou cinco posições em relação ao relatório anterior, ficou atrás de outros países latino-americanos, como o Chile (42º), o Uruguai (45º) e o Paraguai (47º), mas deixou para trás a Argentina, que perdeu 12 posições.

Os piores países no que se refere à liberdade de imprensa, segundo o ranking, que vale para o período 2003-2004, estão no Oriente Médio e no Leste Asiático, mas Cuba ocupa a penúltima colocação.

Os países que ocupam o primeiro lugar no ranking são Dinamarca, Finlândia, Islândia, Irlanda, Holanda, Noruega, Eslováquia e Suíça. Os Estados Unidos estão na 22ª posição, ao lado da Bélgica.

Detalhes no site da ONG Repórteres Sem Fronteira, baseada em Paris.

segunda-feira, 25 de outubro de 2004

KIBOP

O Kibop certamente vai se tornar em nova febre na web. Trata-se de uma comunidade virtual que conecta as pessoas online através de círculos de amigos para conhecer pessoas novas, namorar, trocar idéias, recomendações e outras coisas mais.

Foi criado por um grupo empresarial de São Francisco, na Califórnia, pegando carona no sucesso do Orkut, a comunidade online que possui milhões de adeptos no mundo.

A vantagem é que no Kibop não é necessário esperar um convite. Basta se cadastrar para participar. O Kibop está sorteando US$ 1 mil entre seus associados como promoção de lançamento.

O Kibop permite que seja criado um círculo social online onde o usuário pode se conectar diretamente com seus amigos, os amigos deles e assim por diante.

O usuário cria um perfil rápido e inclui amigos no seu círculo social. Além de poder ver os amigos dos seus amigos, possibilita que sejam pesquisadas todas as pessoas conectadas através do seu grupo de amigos.

Você pode ver fotos e perfis, verificar ligações entre você e outras pessoas, enviar mensagens, pedir para ser apresentado ou recomendar amigos um para o outro. O serviço é grátis. Parece menos inútil que o Orkut.

domingo, 24 de outubro de 2004

ELES SE MERECEM

Fracassou a assembléia convocada pela diretoria do Sindicato dos Jornalistas do Acre (Sinjac), realizada a partir das 19 horas da noite de sábado, cuja pauta era a liberdade de imprensa no Estado.

Além do presidente do Sinjac, compareceram onze jornalistas. Estudantes de jornalismo debandaram do ambiente ao perceberem a superficialidade da discussão.

Cheguei com atraso, meia hora antes do encerramento, quando ainda havia seis jornalistas e os deputados Tarcísio Pinheiro (PPS) e Luis Calixto (PDT), do bloco de oposição ao governo.

Os parlamentares, convidados pelo repórter Adeilson Campos, que se declara vítima permanente de censura, não puderam se manifestar porque se tratava de uma assembléia com pauta restrita à categoria.

Foi marcada nova assembléia, para o dia 6 de novembro, para a qual será convidado o jornalista Aníbal Diniz, secretário de comunicação do governo estadual. Ele será posto no quadrado para responder às queixas do reportariado de que exerce censura diariamente.

Censura sempre existiu no Acre, em todos os governos. Mas se submete à censura quem é incompetente para apurar os fatos, não preserva princípios éticos e faz do meio usina de fofoca.

Essa polêmica emerge agora, após as eleições municipais, fomentada pelos jornalistas que ajudaram a fabricar o efêmero mito Márcio Bittar, candidato derrotado do PPS à prefeitura de Rio Branco.

O argumento dos tais jornalistas é tosco e pueril: como os censores do PT já governam o Estado e conquistaram a prefeitura da capital, não existe mais quem a imprensa possa criticar. Só mesmo dando uma risada como aquela do Astronauta de Mármore: Rs... rs... rs...

Eu poderia escrever livros sobre essa mixórdia, mas o meu resumo da ópera-bufa é o seguinte: no Acre, governo e imprensa se merecem.

P.S.: Caso o Aníbal Diniz se disponha a pagar o mico na próxima assembléia, prometo a vocês detalhes do diálogo do censor com os censurados.

quarta-feira, 20 de outubro de 2004

BOBAGENS LEGISLATIVAS

Tramita cada bobagem na Câmara. Existe lá, de autoria do deputado Almir Moura (PL-RJ), projeto de decreto legislativo que propõe a realização de plebiscito nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Mato Grosso sobre a possibilidade de tornar os estados da região amazônica em territórios federais.

Almir Moura, que é radialista e pastor da Igreja Internacional da Graça, afirma que a intenção é dar um novo status às unidades da federação localizadas na Amazônia. E ele fala em tom pretensamente sério:

- Uma maneira de fazê-lo seria diminuir sua autonomia em favor da União, de forma que esta pudesse assumir mais responsabilidades na conservação dos valiosos recursos naturais da maior e mais importante floresta do planeta.

Na avaliação de Almir Moura, a implantação de territórios federais favorecerá a ocupação da Amazônia de forma ordenada, viabilizando maior atuação do estado na área.

- Estamos certos que o desenvolvimento da Amazônia depende da integração da sua economia à nacional, da superação de deficiências estruturais e do aproveitamento sustentável de seus bens. A melhor forma de enfrentar esses problemas que se apresentam é interiorizar a ação governamental, tendo em vista o abandono em que se encontram diversas localidades.

Vamos torcer para que o projeto aguarde eternamente encaminhamento às comissões técnicas.

Outra bobagem é o projeto de decreto legislativo, do deputado Miguel de Souza (PL-TO), que propõe a realização de um plebiscito em Rondônia para saber a opinião da população sobre a mudança do nome do estado para Guaporé.

Justificativa: sanar os constantes equívocos dos órgãos federais, veículos de imprensa e entidades privadas, que confundem os estados de Rondônia e Roraima, localizados no norte do País.

- Essa confusão vem prejudicando os dois estados, a ponto de o Governo Federal enviar recursos referentes a projetos de Rondônia para Roraima. São também comuns as trocas das siglas dos dois estados devido à semelhança dos nomes - afirma o deputado.

Caso o projeto de decreto legislativo seja aprovado, o Tribunal Regional Eleitoral terá prazo de seis meses para realização do plebiscito. O projeto aguarda encaminhamento às comissões técnicas.

terça-feira, 19 de outubro de 2004

TXAI TERRI AQUINO

Altino vai aí a cópia do e-mail que enviei ainda no início de agosto do corrente ano, mas que você não recebeu porque eu não tinha seu endereço eletrônico correto.

Faça bom uso dele, porque é isso o que penso enquanto antropólogo com quase 30 anos de experiência em nosso Tão Acre, como dizia o saudoso amigo e jornalista acreano, Zé Leite.

Bons dias pra você e, sobretudo, pros índios de nossa terra. Em anexo, segue carta das lideranças indígenas do Acre sobre o mar de lama no convênio UNI-FUNASA.

Nota do blogueiro: quem quiser ler o artigo que escrevi e que originou essa manifestação do antropólogo Terri Vale de Aquino basta clicar em Corrupção une índios e brancos

Eis a opinião do Txai:

Altino, segura essa, que é minha pequena contribuição ao debate sobre a corrupção praticada pelos antigos coordenadores da União das Nações Indígenas (UNI) no convênio com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Espero que a Procuradoria da República no Estado do Acre leve às últimas conseqüências a apuração dos fatos e responsabilize aqueles que efetivamente roubaram recursos públicos destinadas à saúde dos índios do Acre e do Sul do Amazonas.

Ainda não esqueci que foram justamente esses ex-coordenadores da UNI, tendo a frente o Francisco Avelino da Silva (Chico Preto), que, através da Procuradoria da República, levaram a Funai a abrir um processo administrativo contra mim e o Antônio Macedo, justamente para nos demitir desta instituição por justa causa.

Foi justamente por causa desses coordenadores da UNI, hoje destituídos pelo próprio Conselho Deliberativo e Fiscal da entidade, que tive que me exilar durante sete longos anos longe daqui do Acre.

Agora, estou voltando e vejo meus antigos perseguidores sendo acusados pelo próprio Ministério Público Federal e por parte considerável das lideranças indígenas acreanas de terem desviado e roubado grande parte dos recursos do convênio UNI-Funasa.

Até parece ironia do destino que isso esteja ocorrendo justo no momento de meu retorno ao Acre. Quanto ao nosso amigo, o deputado Moisés Diniz, só tenho a dizer que ele tem razão quando diz que também os brancos contribuíram para a situação em que se encontra atualmente a UNI, a começar por aqueles que partidarizaram a questão indígena e cooptaram boa parte dos coordenadores da UNI e outras lideranças indígenas para se filiarem em partidos políticos, sobretudo no partido do nobre deputado, o PC do B.

Essa UNI que está caindo de podre, é também a UNI da dona Denise Garrafiel, do seu Jacó César Picolli, da advogada Jandira Kepp da IECLB e de tantos outros que sempre apoiaram seus antigos coordenadores.

É melhor o nosso deputado ficar quieto. Não adianta esconder o sol, nossa estrela maior, com peneiras e desculpas esfarrapadas, porque senão muitas coisas feias vão aparecer e serem ditas pelos próprios índios que não concordam com a partidarização do movimentos indígena e tampouco se deixaram corromper.

Essa conversa fiada de "índios limpos" (desconheço essa nova categoria de índios aqui no Acre) é papo furado de branco. Diz para o nobre deputado conversar com o procurador da República, o doutor Marcus Vinícius, que ele vai ficar sabendo o que, de fato, já foi apurado sobre os desvios de recursos do convênio UNI-FUNASA e quais os índios e brancos que estão sendo responsabilizados por toda essa sujeira.

Acredito que depois de ouvir o Procurador, ele vai ficar bem quietinho, com o rabo preso entre as próprias pernas. Acho agora que a responsabilidade é toda do nosso brilhante procurador da República, que não deve, no meu humilde entendimento, desfocar a apuração dos fatos, até mesmo porque a omissão e a impunidade não combinam muito bem com Justiça.

As lideranças das organizações e das terras indígenas, além de setores esclarecidos da opinião pública acreana, entre os quais me incluo e, creio, você também, reivindicamos (melhor do que usar a palavra exigimos) transparência e rigor na apuração dos fatos, com a conseqüente punição dos responsáveis, índios e brancos, pelos desvios de recursos públicos destinados pelo governo federal à saúde dos índios de nossa região, que hoje vivem entregues a própria sorte e sem nenhuma assistência em suas aldeias e comunidades.

Com a palavra a sua excelência, o senhor doutor, Marcus Vinícius.

Um abraço do Txai Terri Vale de Aquino.

NA MIRA DA LEI

Parlamentares do Acre exigem investigação das denúncias de torturas praticadas pela Polícia Federal e Polícia Militar do Amazonas

A pedido da bancada acreana no Congresso, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, vai enviar uma comissão para apurar as denúncias de que o município de Boca do Acre (AM) virou uma terra sem lei.

A situação também será acompanhada pela Comissão Especial de Inquérito, criada há duas semanas no Senado, da qual fazem parte os senadores Sibá Machado (PT-AC), Jefferson Peres (PDT-AM), Valdir Raupp (PMDB-RO) e Gilberto Mestrinho (PMDB-AM).

O deputado Nilson Mourão (PT) apresentou ao Ministério da Justiça a reportagem que expôs o clima de conflagração que permanece Boca do Acre desde o dia das eleições. A Polícia Militar do Amazonas é acusada de torturar e impor toque de recolher numa cidade sem delegado, promotor e juiz.

“Estamos exigindo providências do governo brasileiro contra a violação dos direitos humanos e da lei eleitoral. Não podemos admitir que tudo isso aconteça durante o governo do presidente Lula”, afirmou Nilson Mourão.

Os deputados e senadores do Acre exigiram do Ministério da Justiça para que seja rigoroso contra os agentes da Polícia Federal acusados de torturar os 15 presos como supostos responsáveis pelos distúrbios na cidade.

Em Rio Branco, o Comitê Chico Mendes e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos decidiram unir esforços em solidariedade ao povo de Boca do Acre. Eles estão denunciando a corrupção na prefeitura da cidade e a violação dos direitos humanos dentro e fora do país.

Os presos acusados pelos distúrbios em Boca do Acre foram unânimes em afirmar que foram torturados pela Polícia Federal nas dependências da Câmara Municipal da cidade. As denúncias de tortura foram relatadas aos senadores Sibá Machado e Tião Viana.

“PF AGREDIU PRESOS”


Antonio Braña (esquerda) e Domingos Munhoz, que está foragido

O advogado acreano Antônio José Braña Muniz, do PT, era o candidato a vice-prefeito de Boca do Acre na chapa encabeçada por Domingos Munhoz e, posteriormente, por Dorinha Munhoz, ambos do PL, que foram impugnados pela juíza Rosa Maria Calderaro.

A decisão da juíza motivou a revolta de mais ou menos duas mil pessoas que atearam fogo e destruíram a casa e a rádio do prefeito Iran Lima (PPS), a sede da prefeitura e o fórum.

Braña, que é natural de Sena Madureira (AC), é funcionário do Incra na região há mais de 20 anos. O petista denuncia torturas a que teriam sido submetidos pela Polícia Federal os supostos responsáveis pela condução da fúria popular.

Leia a entrevista:

Quando começaram as irregularidades no processo eleitoral em Boca do Acre?
Braña
- Prevendo um acirramento da disputa política no município, no dia 14 de agosto de 2004 nós, que compúnhamos a candidatura das oposições, pedimos à juíza que providenciasse a vinda de tropas federais para garantir a tranqüilidade do pleito. Este pedido foi indeferido pela juíza.

Por que o registro da candidatura de Domingos Munhoz foi impugnado?
Braña
- Dias após o pedido de registro de candidatura dele, o Ministério Público pediu, através de ação de impugnação, o indeferimento do pedido de registro da sua candidatura bem como a de seu filho Doniscley Munhoz, alegando que Dominguinhos estava concorrendo a um terceiro mandato, baseado no artigo 14 da Constituição Federal.

O pedido também foi ajuizado pelo prefeito Iran Lima, candidato à reeleição?
Braña
- Sim. O pedido de impugnação foi ajuizado também pela coligação do candidato Iran Lima com os mesmos argumentos e data do que fora formulado pelo Ministério Público. Mas foram ajuizados outros pedidos contra 14 candidatos a vereadores. A juíza indeferiu a todos os pedidos com exceção do pedido de candidatura do Valcy, do Partido Liberal

A sua coligação tem criticado duramente a conduta da juíza Rosa Maria Calderaro. Por que?
Braña
- O calendário eleitoral foi desconsiderado pela juíza que, após despachar quanto à abertura de prazo recursal, viajou em meados de julho para Manaus retornando no dia 9 agosto, quando o prazo para julgamento dos processos em primeira instância, não poderia ultrapassar ao dia 14 de agosto.

Além disso, o senhor considera algum outro fato como grave?
Braña
- Um fato grave aconteceu quando estávamos copiando os processos para interpor recursos. A funcionária do fórum, conhecida por Rosa, que não é advogada, declarou que fez várias sentenças para a juíza assinar. Em muitos casos a sentença distorcia completamente do que constava nos autos. Eis um exemplo: O vereador Raimundinho, reeleito que não fez o teste de escolaridade, e justificou o porquê, constava na sentença como reprovado.

Quando as sentenças foram publicadas?
Braña
- As sentenças foram publicadas no final da tarde do dia 22 de agosto, quando não havia populares nem candidatos no fórum. Ao invés de deixar o prazo de edital transcorrer, expediu intimações pessoais assinadas por ela, a juíza, para serem cumpridas no dia seguinte, constando nas mesmas o prazo de 72 horas para recurso.

O que aconteceu a partir disso?
Braña
- Esse fato causou prejuízo para a coligação Frente Popular para o Desenvolvimento Bocacrense, pois induziu os advogados ao erro, uma vez que os recursos foram interpostos com base na intimação pessoal. Acontece que este entendimento, divergente no TRE, resultou no indeferimento de alguns processos de nossa coligação, dentre as quais a do candidato a prefeito Domingos Munhoz. Inclusive no TSE, através do ministro relator Carlos Veloso, sem julgamento do mérito.

Houve outro fato que a coligação considera irregular?
Braña
- Outro ato de atropelamento da lei, praticado pela juíza Rosa Maria Calderaro: Não aceitou que juntássemos originais dos recursos enviados por fax de Manaus. Alegou que os tais deveriam ser também dentro do prazo de 72 horas e não em cinco dias subseqüente ao prazo. Tentamos argumentar por telefone, mais proibiu ao chefe de cartório de receber nossos recursos. Pedimos certidão.

O que vocês decidiram a partir disso?
Braña
- Em razão do risco de indeferimento, a coligação resolveu substituir o candidato Domingos Munhoz, por sua esposa Maria das Dores de Oliveira Munhoz, a dona Dorinha, o que foi perfeitamente entendido pelo povo. No entanto, antes de transcorrer o prazo de que dispunha o Domingos Munhoz, no TSE, a juíza Rosa Maria Caderaro expediu notificação à coligação para cessar as músicas do candidato, recolher material de propaganda e proibiu de realizar comícios. Isso aconteceu no dia 29 de setembro.

A coligação não buscou saída?
Braña
- Tentamos argumentar por telefone com a juíza, mas ela apenas disse que teríamos que cumprir suas ordens. A notificação estava assinada por Domingos Munhoz. Não assinamos porque atropelava a legislação.

Houve uma segunda sugestão para que fosse requisitado o auxílio de tropas federais?
Braña
– No dia 25 de setembro, já preocupados com o acirramento dos ânimos, conversamos com a juíza, o MP e representantes da outra coligação. Pedimos novamente reforço de forças federais, mas novamente a juíza não decidiu.

Quando a candidatura de Domingos foi substituída pela da esposa dele, a Dorinha?
Braña
- Isso aconteceu no dia 29 de setembro. Substituímos Domingos Munhoz, mas a juíza, sem abrir prazo para o Ministério Público e demais coligações, indeferiu de pronto a candidata substituta, um dia antes da eleição, causando a partir deste momento, grande confusão dentre nossos simpatizantes.

Como se comportou o candidato à reeleição?
Braña
- Aproveitando-se de toda essa situação, as rádios de propriedade do sr. Prefeito Iran Lima, vinham noticiando há dias, e sobretudo a partir do dia 2 de outubro, que nossa coligação não tinha candidato a prefeito. Fez até campanha fora do horário eleitoral, inclusive com uma entrevista do governador Eduardo Braga, que pedimos ao Ministério Público para tomar as providências, além de propaganda sonora pelas ruas da cidade, panfletos etc.

O que fez a juíza em relação a isso?
Braña
- Preocupados com todos as mentiras veiculadas nas rádios do prefeito Iran Lima, nos bairros, ruas, estradas e rios, fomos à juíza e pedimos providências. Por causa disso, ela determinou que cessasse a propaganda enganosa, notificando a outra coligação cuja redação da notificação foi entendida ao contrário pelo povo. Todos entenderam como sendo contra nós.

O que fez mais a juíza?
Braña
– Ela decidiu que requerêssemos direito de resposta, o que fizemos. O despacho da juíza, no entanto, foi no sentido de requisitar a fita da rádio, concedendo para tanto um prazo de 24 horas. Acontece que tal prazo, se exauria no final do dia 3, dia da eleição. Portanto, não tivemos como nos defender nas rádios. Aliás, até uma entrevista solicitada para o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, alegaram problemas técnicos, enquanto a referida autoridade permanecia na cidade. Ao viajar, a rádio entrou no Ar. Tal manipulação foi rotina no horário eleitoral. Aliás, a própria juíza chegou a nos afirmar que estava havendo esse tipo de atitude por parte do prefeito e dos diretores da Rádio, mas que teria tomado providências às vésperas das eleições.

O que agravou a tensão naquele momento?
Braña
- Para dificultar ainda mais a situação bastante tensa que vivia a cidade, a juíza resolveu dar uma entrevista desnecessária e tendenciosa um dia antes da eleição, às 15 horas, nas rádios sob controle do prefeito. Naquele momento, nossa coligação preparava uma passeata. O povo, já apreensivo e revoltado com o noticiário enganoso, ficou de prontidão para ouvi-la, na esperança de que o pronunciamento fosse no sentido de trazer clareza sobre o processo de votação.

O que disse a juíza durante a entrevista?
Braña
– A entrevista da juíza permitiu que a população se revoltasse com suas palavras. Ela repetiu por três vezes que só havia oficialmente duas candidaturas, a do PDT, de nº 12, e a da coligação n°23, do prefeito Iran Lima. A nossa coligação estava indeferida por ela. Avisou que nossos votos seriam nulos. Disse que quem quisesse votar no 22 que votasse, mas que os votos seriam nulos, enquanto sua decisão prevalecesse. A gravação dessa entrevista nós repassamos à imprensa.

Qual foi o resultado dessa entrevista?
Braña
- Após a entrevista, que, para a maioria da população decidiu a eleição, mais de 6 mil pessoas foram às ruas protestar. Realizamos a maior passeata da história de Boca do Acre.

O que aconteceu no dia da eleição?
Braña
- Às 17 horas daquele dia, conversamos com a juíza. Ela se dizia preocupada com a apuração. Nessa conversa, juntamente com Domingos Munhoz, ratificamos nossa vontade de ajudá-la no processo eleitoral, na manutenção da ordem. Porém, alertamos que sua entrevista havia sido acolhida de forma negativa pelo povo. No entanto, estávamos empenhados na defesa da paz a da ordem.

O que o senhor fez durante a apuração dos votos?
Braña
- Eu, na qualidade de candidato a vice prefeito na chapa do Domingos Munhoz, juntamente com minha esposa, ficamos no fórum até às 19h30, enquanto Domingos Munhoz, ficou até 20h30. Nos recolhemos em nossas residências. Aliás, na conversa com a juíza, chegamos a lhe deixar o número de nossos telefones para qualquer eventualidade.

O processo de votação foi tranqüilo?
Braña
- Foi tranqüilo, mas a juíza, divergindo do promotor, e de toda orientação do TSE, arbitrou que somente poderia votar com o título acompanhado de documento, com foto. Quem apresentasse apenas o título, não poderia votar, o que causou constrangimento e mais confusão. Somente por volta das 14h30 é que a juíza autorizou que o eleitor votasse com o título e o registro de nascimento ou casamento. No entanto, muitos eleitores já haviam desistido de votar.

Quando começou a reação popular?
Braña
– O movimento popular de revolta estourou às 23h30, estendendo-se pela madrugada do dia 4, segundo relato de testemunhas. Foram milhares de pessoas, mais ou menos duas mil.

Ocorreram muitas prisões no dia da eleição?
Braña
- Ainda no dias das eleições, foram efetuadas 32 prisões arbitrárias, sendo apenas duas por estarem fazendo boca de urna. Ainda tentamos convencer a juíza para que permitisse que as pessoas fossem votar, mas ela foi irredutível declarando que não adiantaria oficiar o pedido. Essas pessoas não votaram, todas simpatizantes de nossa coligação, inclusive um candidato a vereador. No entanto, os candidatos da outra coligação, a exemplo do senhor Ecivaldo, foi detido e liberado duas vezes durante o dia da eleição. Até o delegado pediu ao promotor que interviesse junto à juíza para que os eleitores presos fossem votar, mas ela negou e ainda o tratou mal na presença de várias testemunhas.

O que a coligação quer agora?
Braña
- É nossa opinião que a magistrada não tem condições de permanecer presidindo o pleito e deve imediatamente afastada. Ela está desmoralizada perante a maioria da população. Entramos com reclamação no Tribunal Regional Eleitoral, no Tribunal de Justiça do Amazonas e no TSE porque não aceitamos que ela presida mais o pleito.

Qual a sua opinião sobre a prisão de pessoas que supostamente promoveram os incêndios e a destruição de prédios públicos?
Braña
- As prisões estão sendo feitas sem nenhum critério. Exemplo disso é que o delegado de nossa coligação, Gerson Marreira, permaneceu no fórum até o final da apuração, portanto, não teve nenhuma participação no episódio. No entanto, teve a prisão decretada pela juíza. Até o prefeito está indicando quais pessoas deverão ser presas. Todas elas são pessoas que apoiaram a candidatura da oposição, lideranças sindicais, jornalistas, empresários, funcionários públicos federais, jovens, pecuaristas e líderes partidários. Todos são primários, têm profissão definida, de endereço certo e pais de famílias.

O que está acontecendo em sua avaliação?
Braña
- Está havendo perseguições a policiais militares. Um dia após as eleições eles começaram a ser transferidos. Também está havendo perseguições a taxistas, comerciantes, pais de famílias que apoiaram nossas candidaturas sem que ninguém tome providências. O prefeito continua perseguindo as pessoas e demitindo-as mesmo com a proibição da lei, neste período leitoral. Nem a justiça e nem o Ministério Público em Boca do Acre tomam as providências.

Após a revolta popular como se comportou a juíza?
Braña
- Houve invasão do escritório de advocacia do José Carlos, onde trabalhavam nossos advogados, que tentaram argumentar com a juíza por tamanha afronta de lei. O que fez a Magistrada? Mandou que recorresse, como se o recurso fosse desfazer a invasão que estava acontecendo. A juíza não toma qualquer atitude contra o prefeito, que é quem está indicando quem deve ser preso.

E os prisioneiros?
Braña
- As pessoas ficaram vários dias presas na Câmara Municipal de Boca do Acre. Depois foram transferidas para Rio Branco. Elas foram interrogadas e agredidas pela Polícia Federal numa sala reservada dentro da própria Câmara.

O que mais o senhor tem a dizer?
Braña
- O pleito legalmente deve ser anulado, pois os votos nulos contabilizaram 50,64% enquanto o prefeito e o outro candidato do PDT, obtiveram 48,28% dos votos. O Ministério Público ajuizou ação de cassação do mandato e candidatura do prefeito que se encontra com a juíza há vários dias sem providências por compra de votos. O Ministério Público promoveu buscas e apreensões em vários comércios e em todos foram encontradas requisições do prefeito, que também se encontram no cartório, sem providências.

segunda-feira, 18 de outubro de 2004

BOCA DO ACRE VIRA TERRA SEM LEI

Polícia tortura e impõe toque de recolher em cidade sem delegado, promotor e juiz

O município de Boca do Acre (AM) permanece sob clima de conflagração após os distúrbios ocorridos há 15 dias, quando mais de duas mil pessoas se revoltaram com as decisões da juíza da 42ª Zona Eleitoral, Rosa Maria Calderaro, e atearam fogo na casa e na emissora de rádio do prefeito Iran Lima (PPS), além de atear fogo e destruir parcialmente os prédios da prefeitura e do fórum.

Distante 215 quilômetros de Rio Branco, no Acre, e 2,5 mil quilômetros de Manaus, no Amazonas, Boca do Acre virou literalmente uma terra sem lei após a revolta popular decorrente da impugnação do candidato a prefeito Dominguinhos Muñoz, da coligação Frente Popular para o Desenvolvimento Bocacrense, integrada pelo PT, PT do B, PRTB e PV.

No final de semana, a cidade permanecia sem delegado, promotor, juiz e até sem prefeito. Todos deixaram a cidade após a revolta dos partidários de Muñoz e alguma ordem tem sido imposta pelos homens do batalhão de choque da Polícia Militar do Amazonas, que foram enviados para a cidade a pedido do desembargador Kid Mendes Oliveira, presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas.

Boca do Acre, que costuma atrair centenas de turistas acreanos, estava com suas ruas praticamente desertas no final de semana por causa do toque de recolher estabelecido pelos policiais militares.

Bailes e reuniões estão proibidos e quem se aglomera na rua após as 21 horas é preso. Os policiais do batalhão de choque, com farda camuflada, percorrem as ruas fortemente armados e apavoram a cidade.

A população poupa de críticas apenas os policiais militares que já atuavam há vários anos na cidade, mas cuja maioria foi deportada, a pedido do prefeito, para a vizinha cidade de Pauini, após a revolta popular.

Não existe Polícia Civil em Boca do Acre. Há vários anos, o cargo de delegado de polícia é exercido por cabos da Polícia Militar, que são indicados pelo prefeito. O "delegado" costuma ser auxiliado nas investigações por um soldado.

O cabo Alves, que era o delegado titular, foi deportado pelo prefeito após o quebra-quebra. Na semana seguinte, ele foi substituído por outro que já era titular de uma delegacia em Manaus. O novo delegado, o cabo Correia, primo do prefeito, foi nomeado na sexta-feira, mas não havia assumido até domingo.

O prefeito Iran Lima também exonerou cargos de confiança de sua administração, cancelou a concessão de vários motoristas de táxis e até destruiu no mercado as bancas de vendedores de peixes que supostamente não o apoiaram no dia da eleição.

“A cidade está sobressaltada com as demissões, ameaças e desrespeito aos direitos humanos”, afirma o professor José Lopes, 57, ligado ao PT, assinalando que a juíza foi alertada quanto à iminência de distúrbios.

Realmente, em agosto a coligação sugeriu à juíza que fosse requisitada o auxílio de tropas federais para garantir a normalidade das eleições. Ela julgou desnecessária a providência.

“Em setembro, voltamos a sugerir o auxílio de forças federais ou o reforço da tropa da Polícia Militar na cidade. Mais uma vez a juíza desconsiderou nosso apelo”, contou Lopes.

O capitão Dias Figueiredo, comandante da PM em Boca do Acre, disse que seus homens não puderam fazer nada além de atirar para o alto na tentativa de conter a fúria popular. “Éramos 29 homens contra mais de duas mil pessoas”, afirmou.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anulou as eleições em Boca do Acre porque o número de votos nulos (6.089) é maior que os válidos (5.806). Os votos nulos somaram 50,64% enquanto o prefeito e o candidato do PDT obtiveram 48,28% dos votos.

Alegando que Domingos Munhoz não havia se desincompatibilizado do cargo de vice-prefeito, a juíza Maria Rosa Calderaro impugnou a candidatura dele quando faltavam dois dias para a eleição. A mulher de Munhoz, Maria das Dores, a Dorinha, assumiu o lugar de candidata da coligação PT-PL e também foi impugnada.

Na véspera da eleição, a juíza compareceu à rádio "Eu e você", de propriedade do prefeito. Ela repetiu três vezes que só havia duas candidaturas válidas - a do PDT e a de Iran Lima. E chegou a recomendar que os eleitores não votassem na candidatura do PL-PT porque os votos seriam anulados. Após a entrevista, milhares de pessoas foram para as ruas.

No dia da eleição, por volta das 23 horas, quando a apuração ainda não havia sido concluída, teve início a reaçõu popular. Ela se estendeu até a madrugada sem que a polícia tivesse condições de reprimí-la.

POLÍCIA TORTURA EM PÚBLICO

Na terça-feira 12, o batalhão de choque da Polícia Militar, enviado a pedido da justiça eleitoral para garantir a ordem em Boca do Acre, se envolveu numa ação que gerou revolta silenciosa da população: torturou durante várias horas Francisco da Silva Matos, 19, e depois invadiu uma casa, sem mandado judicial, dando tiros contra o menor Weberson Durão, 14.

Os dois jovens foram acusados de furtar uma rede de pescar que estava estendida sobre o muro do hospital da cidade. Um policial do batalhão de choque encontrou Francisco na rua e o levou para a delegacia numa moto.

Francisco começou a ser espancado logo que desceu da moto, na calçada da delegacia, na presença de dezenas de pessoas que diariamente se aglomeram no local na tentativa de obter o registro de queixas.

“Foi uma selvageria que jamais imaginei presenciar junto com minha irmã”, contou Maria das Graças, casada com um soldado da própria PM. “O policial, depois de espancar o rapaz de todo jeito, jogou ele no chão e ficou chutando o corpo dele e pulando em cima dele”.

Francisco foi jogado numa cela e depois foi retirado pelo mesmo policial e transportado num carro para indicar o paradeiro do menor. “Dentro do carro eles me bateram mais, sempre com o cano do revolver apontado para minha cabeça”, relatou.

Novamente foi trazido para a cela e o mesmo policial se dirigiu à casa do menor. Ao perceber a presença da polícia em sua casa, o garoto correu e o policial tentou atingi-lo com três tiros.

“Ficamos em pânico. Isso nunca tinha acontecido aqui. Não temos a quem recorrer”, disse Maria Auxiliadora, mãe de Weberson Durão.

Na mesma noite, embriagado, o policial do batalhão de choque voltou à delegacia e se dirigiu à cela com uma arma dizendo que iria matar Francisco. Ainda deu um tiro dentro da delegacia, mas acabou contido pelos colegas.

“A mãe do Francisco me procurou para denunciar esse caso. A única coisa que pude fazer foi um pronunciamento. Não temos a quem recorrer. A truculência administrativa e policial impera em todos os ambientes”, disse o vereador petista Raimundo Nascimento.

Até o final da manhã de sábado, Francisco, que sofreu dois cortes no pênis por causa do espancamento, não havia conseguido ser submetido ao exame de corpo de delito porque não havia delegado na cidade.

“Estou com muito medo, pois o policial disse que se eu abrir o bico ele irá me levar para fora da cidade pra acertar a conta com ele”, afirmou.

A reportagem relatou o caso ao major George, comandante da Polícia Militar em Boca do Acre, que disse desconhecer o caso. George concordou em comparecer à casa dos pais da vítima e providenciou a requisição do exame.

"Vamos tomar todas as providências cabíveis, mas será difícil identificar o agressor, pois nossas equipes estão se revezando constantemente", avisouo major.

PRISÃO DE DESAFETOS

Existem 15 pessoas presas em Rio Branco sob a acusação de terem liderado a destruição da casa e das rádios do prefeito, do fórum e da sede da prefeitura.

Mas em Boca do Acre apenas as pessoas muito próximas da juíza e do prefeito sustentam essa versão. A maioria das pessoas ouvidas pela reportagem, mesmo eleitores do prefeito, acreditam que os presos estão sendo vítimas de injustiça.

Até mesmo policiais militares que tentaram deter a fúria popular foram unânimes em afirmar que não houve alguém que tenha sugerido o quebra-quebra.

“Eu estava lá, atirando pra cima, tentando conter o povo. Levei até uma pedrada nas costas”, relatou um soldado. Segundo ele, o que aconteceu naquela noite foi uma revolta coletiva.”Posso afirmar que muitos dos que estão presos nem lá estavam na hora do fogo”.

Outro policial contou que as imagens de vídeo da PM, que basearam a prisão de parte do grupo, foi feita uma hora e meia antes do fogo ser ateado na casa e nos prédios. “Não aparece ninguém sugerindo destruir nada”, afirmou.

O vereador Tião Almeida (PT) observa o fato de que não há entre os presos qualquer pessoa filiada ao partido. Os militantes do PT, que geralmente são mais politizados e ousados, foram poupados.

“Isso evidencia que a juíza, o prefeito e seus assessores fizeram questão de denunciar apenas as pessoas dos outros partidos da coligação, sobretudo do PL. Devem ter avaliado que dessa maneira haveria menos repercussão e que enfraqueceriam o pessoal mais próximo ao candidato cabeça da chapa”, avalia Almeida.

Para a maioria das pessoas consultadas pela reportagem, a juíza e o prefeito apontaram à Polícia Federal seus desafetos políticos como responsáveis pelos distúrbios.

FALCATRUAS

Existem no Ministério Público do Amazonas, na Controladoria Geral da União e no Ministério Publico Federal do Amazonas pedidos de abertura de inquérito por suposta prática de improbidade administrativa e outros atos ilícitos contra o prefeito de Boca do Acre Iran Lima (PPS)

Os pedidos foram formalizados pelos vereadores Raimundo Nascimento e Tião Almeida, ambos do PT. Eles acusam Lima de ter concluído apenas 30% de uma obra de esgotamento sanitário no valor de R$ 2 milhões, financiado pelo Ministério da Saúde, através da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), com contrapartida do município.

Em outro contrato com o Ministério das Cidades, no valor de R$ 400 mil, liberados através da Caixa Econômica Federal, o prefeito construiu apenas 200 metros de meio fio, no distrito do Platô do Piquiá. Embora os recursos tenham sido liberados integralmente, a obra está parada.

Noutro contrato, cujo objeto é a melhoria das condições de habitação em Boca do Acre, com recursos do Ministério das Cidades, no valor de R$ 100 mil, a obra não existe. Mas a última liberação ocorreu há mais de dois anos, no valor de R$ 20 mil.

O prefeito também empenhou recursos federais em favor da empresa Construmec, no valor de R$ 96 mil mil, para construção de um posto de saúde na comunidade Antimary, na margem esquerda do rio Acre. Situação atual da obra: inexistente.

Em outro convênio estadual, firmado com a prefeitura de Boca do Acre, para saneamento básico, no valor de R$ 100 mil, foi contratada a empresa A.R. Monteiro Serviços. Segundo os vereadores, o dinheiro foi desviado para serviço de terraplanagem na BR-317.

“Sabemos que este não é o ramo de atividade da empresa. O serviço foi executado pela patrulha mecânica da prefeitura”, assinalam os vereadores.

“O volume dos recursos explicitados nesses itens é considerável, o que significa dizer que certamente é bem maior em todo o mandato do prefeito Iran Lima”, afirma Raimundo Nascimento, mencionando as verbas oriundas dos ministérios, do Estado do Amazonas e de outras fontes.

“Não estamos contando os repasses constitucionais (ICMS, FPM e FUNDEF) que somados, aproxima-se da expressiva quantia de R$ 1 milhão para municípios de 35 mil habitantes”, acrescenta Tião Almeida.

Segundo os vereadores, é necessário investigar de forma justa e responsável a aplicação desses recursos. Eles querem, ainda, investigação contra as empresas que prestam serviços à prefeitura.

A reportagem tentou falar com o prefeito Iran Lima, mas o mesmo não estava em Boca do Acre. Sua assessoria informou que Lima estava em Manaus.

O vereador Jansen Almeida (PSDB), presidente da Câmara de Vereadores e aliado do prefeito, não quis se manifestar sobre a as denúncias.

“Não sei porque a imprensa do Acre se preocupa tanto com a política em Boca do Acre. Aqui é Amazonas. Acho que o PT do Acre está interessado em ganhar a eleição aqui e depois tentar anexar o nosso município ao seu território”, afirmou Almeida.

Os vereadores do PT possuem a cópia de um documento, de novembro de 2004, na qual a construtora Construmec LTDA relaciona os pagamentos por obras.

De acordo com o documento, da obra do posto de saúde, no total de R$ 106 mil, R$ 21,2 mil foram descontados para o prefeito Iran Lima e R$ 15,9 mil para alguém identificado como JAS.

Vereadores do PT suspeitam que JAS sejam as iniciais de Jansen Almeida. O documento menciona ainda outros pagamentos em favor do prefeito e supostamente do presidente da Câmara.

Jansen Almeida não aceitou ser entrevistado, mas depois procurou a reportagem para avisar que na quarta feira 20 estará em Rio Branco junto com o prefeito Iran Lima. “Nós iremos então conversar sobre o que vocês quiserem”, prometeu.

OS PRISIONEIROS

Ilton Maciel – 55 anos, casado, natural de Boca do Acre(AM), pai de cinco filhos, empresário do setor hoteleiro e da construção civil, residente e domiciliado há 33 anos em Boca do Acre.

Gerson Marreira de Souza – 55 anos, casado, natural de Boca do Acre, pai de cinco filhos, nove netos, comerciante, residente e domiciliado em Boca do Acre.

José Carlos Benedito Dias – 49 anos, divorciado, natural de Dracena (SP), pai de dois filhos, pecuarista e advogado, residente e domiciliado há 12 anos em Boca do Acre. Filiado e candidato a vereador pelo PL.

Túlio Rodrigues da Luz - 55 anos, brasileiro, casado, natural de Campo Grande (MS), pai de sete filhos, pecuarista e empresário no ramo hoteleiro, residente e domiciliado há 29 anos em Boca do Acre. Durante 12 anos presidiu o PDT em Boca do Acre. É filiado e candidato a vereador pelo PPS.

Marlon de Araújo Borges – 37 anos, amasiado, natural de Brasiléia (AC), pai de quatro filhos, taxista, residente e domiciliado há 22 anos em Boca do Acre.

Moisés Perdigão da Luz – 22 anos, amasiado, natural de Boca do Acre (AM), pai de dois filhos, técnico em eletrônica e mecânico de motocicletas, residente e domiciliado em Boca do Acre.Ex-cabo do Exército no ano de 2.001, com honra ao mérito. Filiado ao PPS.

Cícero Leite de Lacerda – 43 anos, casado, natural de Ponte de Pedra (MT), pai de quatro filhos, formado em técnicas agropecuárias, comerciante e pecuarista, residente e domiciliado há 19 anos na cidade de Boca do Acre. Filiado e eleito vereador pelo PMDB, em 1996, com uma das maiores votações da historia de Boca do Acre. Apresentou à Justiça atestado de bons antecedentes.

Ildo Lúcio Gardingo – 28 anos, amasiado, natural de Manhuaçu (MG), pai de um filho, empresário e agropecuarista, residente e domiciliado há quatros anos na fazenda Piçarreira, no KM 26 da BR-317, em Boca do Acre. É filiado ao PSDB de Matipó (MG). Apresentou atestado de bons antecedentes à justiça.

Francisco Ruberval Leite de Souza – 54 anos, casado, natural de Boca do Acre (AM), pai de nove filhos, inclusive uma que precisa de cuidados médicos psiquiátricos especiais. É funcionário público federal, admitido em 1997. Prestou relevante serviço na CPI da Grilagem. É filiado ao PV.

Jorge Antônio de Assunção Lima – 41 anos, casado, natural Manaus (AM), pai de um filho, técnico em comunicações, residente e domiciliado há cinco anos em Boca do Acre. Filiado ao PL.

Jaribe Ferreira Reis – 42 anos, solteiro, natural de Sena Madureira (AC), pai de três filhos, microempresário, diretor administrativo da Nercta, Industria e Comércio de Produtos Naturais, no período de 2.000 a 2002. É sócio da Associação das Microempresas do Estado de Roraima (AME) e sócio-proprietário do jornal Estrela do Amazonas, residente e domiciliado na cidade de Boca do Acre. Filiado ao PV.

Calixto Severiano dos Santos – 44 anos, casado, natural de Fortaleza (CE), pai de quarto filhos, operador de máquinas pesadas, residente e domiciliado há três anos em Boca do Acre. Filiado ao PL.

Davi Bezerra Santana – 21 anos, solteiro, natural de Manaus AM), pai de um filho, estudante e mecânico, residente e domiciliado em Boca do Acre. Filiado ao PL.

Rosinei Vale de França – 27 anos, amasiado, natural de Boca do Acre (AM), pai de uma filha, taxista, residente na Rua Alexandre Oliveira Lima, nº 3.512, bairro Macaxeiral. Sem filiação partidária.

José Rodrigues da Costa – 29 anos, amasiado, natural de Pauinui (AM), pai de dois filhos, trabalhador rural. Sem filiação partidária.

quinta-feira, 14 de outubro de 2004

TRAFICANTE, INVASOR E, AGORA, PREFEITO



Eleito em Xapuri já foi preso por tráfico

Vanderley Viana é ex-cunhado de Darly, condenado pela morte de Chico Mendes

FERNANDO DANTAS
Enviado especial

XAPURI – Símbolo mundial da luta pelo meio ambiente e das campanhas do líder seringueiro Chico Mendes, a cidade acreana de Xapuri, governada há oito anos pelo PT, ganhou um inesperado novo prefeito – Vanderley Viana (PMDB), ex-cunhado de DarlyAlves da Silva, justamente um dos condenados pelo assassinato de Chico Mendes. Viana foi preso por tráfico e consumo de drogas nos anos 90 e, entre outros feitos, apossou-se ilegalmente de um terreno do município e agrediu o vice- governador do Acre, Arnóbio de Almeida.

Em uma eleição apertada, Vanderlei,que já havia sido prefeito da cidade na década de 80, derrotou por uma diferença de 153 votos (em 6.887 válidos) o vereador Raimundão Barros, do PT. Com aparente espírito de conciliação, o prefeito eleito disse ao Estado que não se considera inimigo do PT nem do governador do Acre, o petista Jorge Viana. Garante também que é grande admirador de Chico Mendes e pretende preservar Xapuri como centro de turismo e práticas ecológicas. “Eu tinha o Chico como um grande amigo meu”, afirmou.

Não é o que relatam os companheiros de luta do líder seringueiro, assassinado em dezembro de 1988. “O tempo dele (de Vanderley) na prefeitura foi o pior que nós já tivemos, foi quando houve mais empates (mobilização dos seringueiros para evitar derrubada de florestas) e mais morte dos nossos companheiros”, diz Raimundo Monteirode Moares, o Didoca, de 65 anos. Didoca foi um dos fundadores, junto com Chico Mendes, do sindicato dos seringueiros de Xapuri.

Defesa – Vanderley afirma que seu casamento acabou porque ele se opunha à violência da família dos matadores de Chico Mendes – Darly, omandante, é pai de Darcy, que fez os disparos. “Foi um acaso que aconteceu, coisas amorosas, mas em momento algum eu tive participação ou apoiei as atitudes (de Darly e de Darcy)”.

Quanto às drogas, o prefeito eleito reconhece que foi usuário de cocaína, mas nega ter traficado: “Eu tive um momento em que me envolvi, não com tráfico, apenas com consumo, há dez anos; graças a Deus, nunca fui traficante nem pertenci a esquadrão da morte”. Ele acrescenta que se restabeleceu com a ajuda dos amigos e da família, e que sua eleição como prefeito é prova de que o povo de Xapuri acredita em sua recuperação.

Vanderley admite, entretanto, que se apossou de um terreno do município de forma ilegal. “Eu me apossei na época, há 16 anos, de uma areazinha pequena, que tinha lá, e que depois eu vi que não tinha futuro”, conta ele. “Alguém me o fereceu uma quantia, naquela época irrisória, e eu vendi. Era abandonado, ninguém tomava conta, eu peguei, mas não foi com intenção de prejudicar ninguém.”

O problema é que o terreno se transformou em motivo de conflito entre o governo do Acre e o atual proprietário. Em junho, o Estado conseguiu em primeira instância a reintegração da posse do terreno, onde se planeja construir uma fábrica de camisinhas, que usará como matéria-prima o látex natural dos seringais de Xapuri. O proprietário recorreu. Segundo a imprensa acreana, Vanderlei, enquanto tinha a posse do terreno, o batizou de ‘Chácara Minha Deusa’.

Para muitos moradores de Xapuri,Vanderley será um prefeito dinâmico. “A cidade está abandonada, falta iluminação, tem buracos nos ramais (estradas secundárias) e muita coisa precisa ser revigorada”, argumenta Manoel Oliveira, 71 anos. Ele votou em Vanderley.


Projetos sociais podem parar com mudança

XAPURI – O casal de italianos Arialdo Dominioni e Clara di Biasi, que coordena um projeto social social em Xapuri, recebeu um e-mail na última quarta-feira, de seus superiores na Itália, ordenando que encerrassem as atividades do programa e retornassem ao país natal. Motivo: a eleição de Vanderley Viana.

“Eles ficaram preocupados até com a nossa integridade física, mas isto é claramente um exagero”, diz Dominioni. Ele já conversou com a Associação Amazônia Brianza, com sede na cidade de Como, na Itália, e que é a principal patrocinadora do projeto. A ordem foi mudada, e agora o importante é saber como o projeto vai poder funcionar com a mudança na prefeitura de Xapuri, que é parceira.

O projeto, iniciadoem2001, e que contou com o incentivo da atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, engloba a formação de marceneiros, criação de pequenas empresas, uma cooperativa de mulheres(que faz em pequenos objetos de madeira), certificação ecológica da extração de madeira e uma creche para mães carentes.

Segundo Dominioni, a campanha de Viana foi muito agressiva em relação aos estrangeiros que atuam em Xapuri,em atividades ligadas à ecologia e turismo.“ Não vou fazer oposição ao movimento ecológico, mas sim àqueles que exploram nossas riquezas”, disse Viana ao Estado. Depois de eleito, porém, de acordo com o relato de Dominioni, Viana já esteve com o italiano e garantiu que não tinha nada contra o projeto. (F.D.)

Fonte: O Estado de S. Paulo

segunda-feira, 11 de outubro de 2004

“CADA UM PRESERVE SEU PEDAÇO”


O extrativista Manoel da Gameleira, 65, mora há 30 anos no assentamento São Gabriel, no município de Capixaba (AC).

Proprietário de 96 hectares, na fronteira com a Bolívia, Gameleira lidera uma família de sete pessoas. Eles cultivam arroz, feijão, milho, mandioca e extraem látex e castanha.

Já desmatou 20% da propriedade, cria 40 cabeças de gado, mas não pretende mais derrubar nenhum palmo de floresta.

Envolvido há mais de 20 anos na organização de seringueiros e agricultores, Gameleira elogia os resultados do programa de compra antecipada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Além de elevar os preços pagos aos produtores, a operação de compra antecipada serviu para reforçar a organização social das famílias, melhorar a qualidade de vida e preservar a floresta.

Leia a entrevista:

Qual o impacto que tem a compra antecipada de castanha na preservação da floresta?
É muito positivo. A compra antecipada está permitindo eu preservar a minha parte, que é apenas de 96 hectares. Tenho um campo pequeno, para 40 cabeças de gado, e não tenho necessidade de fazer derrubada. Tendo quem compre a nossa produção, retirada da floresta, a gente vai preservando.

O que é necessário fazer para que outros pequenos proprietários rurais tenham consciência da importância de preservação da floresta?
Os técnicos do governo estadual e o pessoal da cooperativa estão fazendo o possível para que todos percebam que é importante a preservação da floresta. Estão até cuidando de recuperar algumas áreas degradadas com o plantio de mucuna e puerária. Acho que nós estamos dando exemplo em ecologia. Já conseguimos até produzir 1,2 mil quilos feijão em um hectare. Eu nunca vi isso numa terra que era cheia de sapezal. Conseguimos recuperar o solo plantando feijão.

Qual o argumento mais forte que o senhor tem para defender a preservação da floresta?
É o argumento de que a floresta, a natureza, é a nossa mãe. Quando eu vejo alguém derrubando uma castanheira, por exemplo, eu digo: companheiro, não faça isso. Essa árvore é tua mãe. Digo o mesmo quando vejo os brasileiros, que moram em território boliviano, retalhando uma seringueira: Não faça isso. Essa árvore é tua mãe, mãe dos teus filhos. Quem maltrata uma castanheira ou uma seringueira nunca tem nada na vida.

Isso é mesmo verdade?
Sim, é verdade. Digo isso por experiência. Quem estraga uma árvore dessa não consegue ter nada na vida.

Não é apenas um mito?
Não, não. Isso é verdade mesmo: o cara morre sem nada. Nós temos que zelar pela natureza. O sogro da minha filha era dono de uma área, mas não gostava de preservar. Ele costumava malinar com as seringueiras. Hoje vive perambulando sem nada na vida. O sentido dele era a maldade com as árvores.

Quais os benefícios que o senhor presenciou com a compra antecipada de castanha nas demais famílias beneficiadas pelo programa?
O que fizeram é algo totalmente bom. É uma coisa que nunca aconteceu em nosso Acre. Nunca tivemos apoio de nada. Eu nasci e me criei na agricultura e no corte da seringa. A minha área virou colônia mas ainda torço pela seringa. Não em viver só da seringa, mas tendo lavoura para desfrutar dela e incentivo para retirar o que a floresta produz de graça. Então, a verdade é que está todo mundo muito satisfeito com a compra antecipada. Se todos os seringueiros forem entrevistados, todos vão elogiar a compra antecipada porque de modo geral ela está reforçando a organização dos pequenos. Antes, ninguém queria comprar seringa e a castanha estava com o preço lá embaixo.

A compra antecipada incentiva as pessoas a não se iludirem com a vida supostamente fácil nas cidades e a preservar suas áreas?
É claro. Tenho 96 hectares. Se eu me sentir obrigado a derrubar um ou mais hectares todos os anos, logo a área não vai prestar para nada. Tenho questionado meus filhos e amigos para que não derrubem. Porque quando não tiver mais o que derrubar o que eles vão fazer? Cada um que preserve o seu pedaço. Essa compra antecipada foi uma providência que resultou de muita luta e organização dos trabalhadores. Espero que continue para que a prosperidade seja grande entre as famílias dos pequenos proprietários rurais. Está sendo bom demais.